Dissertação de Mestrado - Faculdade Cásper Líbero
INTERNET, JORNALISMO E WEBLOG: A NOVA MENSAGEM

Estudos Contemporâneos de Novas Tendências Comunicacionais Digitais

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AUTOR - CONTATO

BIBLIOGRAFIA

ANEXOS

GLOSSÁRIO


3. A Crise dos Jornais Impressos


No problem, we have a few reporters in the pocket, they’ll plant a story and destroy his credibility” – Devil’s whisperson[32]

Em artigo intitulado “Modernidade Líquida, Comunicação Concentrada”[33], o professor de ética jornalística Dr. Caio Túlio Costa (ECA/USP) escreve sobre convergência midiática e a sinergia dos grandes conglomerados de mídia que, a partir do advento das novas mídias e da Internet, estão colocando em risco o tão rentável e secular negócio mantido pela imprensa escrita, leia-se os grandes jornais impressos. Embora todos setores da mídia estejam sofrendo com a globalização e a Internet, Túlio Costa destaca que os jornais impressos são os que mais sofrem com as mudanças que vêm ocorrendo no palco da mídia.

Túlio Costa demonstra através dos números o declínio da mídia impressa ao redor do mundo. Analisando dados da UNESCO em quarenta países no período entre os anos de 1965 e 2000, o professor faz algumas constatações:

·         A circulação de jornais estagnou-se em três países, cresceu em somente cinco e caiu em 32 do total de 40 países;

·         Entre os cinco países que revelam crescimento no consumo de jornal dois são de primeiro mundo (Noruega e Japão), dois podem ser considerados em desenvolvimento (Portugal e Paquistão) e um é comunista (China);

·         A maior queda se deu na Argentina, a circulação média caiu 65%;

·         Nos EUA, o estrago foi de 37% em 35 anos, uma queda anual de 1,3%. Mas ali se lêem 196 exemplares de jornais diários para cada grupo de mil habitantes;

·          No Brasil o baque foi de 15% em 35 anos, uma queda média de quase 0,5% ao ano. Só que no Brasil se consomem apenas 45 jornais para cada grupo de mil habitantes (Costa, 2005:84-185).

Um olhar mais atento aos mesmos dados demonstra que a circulação dos jornais vem caindo a partir de 1997 – dois anos após a chegada da World Wide Web – embora em alguns países tenha-se obtido um ganho entre 1997 e 2003. Mesmo dentre os cinco países mencionados por Túlio Costa (Noruega, Japão, Portugal, Paquistão e China), que apresentaram um aumento de circulação tendo como base o ano de 1965, os dois mais desenvolvidos também apresentam queda na circulação após 1997. Apesar desses números apontarem um declínio da circulação dos jornais após o surgimento da Internet, Túlio Costa não enxerga a nova mídia como o bode expiatório para essa crise:

O fato novo – também lembrado pelo trio[34] – é que empresas cuja tradição não se encontra na indústria da comunicação (nem na indústria da distribuição e, muito menos, na indústria do conteúdo) começam a dominar um sistema tradicionalmente tocado por famílias ou empresas cujas marcas impuseram-se, principalmente, pela construção de conteúdos, mesmo quando dominavam toda a cadeia, da produção à distribuição (Costa, 2005:182).

Sobre o exposto acima, podemos acrescer as novas empresas que surgiram no mundo virtual, tais como a Google, que não precisam de toda essa parafernália para inserirem-se no novo contexto midiático e, igualmente, apresentam-se como novos concorrentes na disputa pelo mercado informativo. Além disso, com a quebra das fronteiras comunicacionais a partir dos portais informativos dispostos na rede mundial e a crescente globalização econômica, “empresas egressas de outras indústrias que não a de conteúdos em comunicação entraram firme neste mercado” (Costa, 2005:182), e, assim, estariam pulverizando diversos negócios solidamente construídos desde o grande impulso da indústria cultural a partir do início do século passado. Os jornais sempre foram acostumados com altas margens de lucros e, com a pulverização[35] dos negócios entre diversos novos atores, ávidos na busca de novos mercados globais, essa lucratividade baixou. Um jornal com baixa lucratividade torna-se um negócio pouco interessante para um possível comprador (como veremos mais adiante no estudo de Philip Meyer) e, como o jornal depende de uma larga base de leitores para se manter rentável, a concorrência informativa advinda da Internet (e suas novas formas de interação), à medida que se desenvolve, contribui para a diminuição dessa base, o que, no pior cenário imaginável, poderia levar esses veículos à falência.

Existe saída? Sim, a própria Internet. Porém, tudo indica que o negócio desenvolvido secularmente pelos impressos jamais volte a ter a mesma rentabilidade e terão de conviver com novos atores que, além das novas empresas que entram nesse setor, inclui o internauta. Como coloca Rupert Murdoch[36], dono de um dos maiores conglomerados de mídia do globo (News Corporation), “dê às pessoas o controle da mídia, elas o usarão; não dê às pessoas o controle da mídia, você as perderá” (em Costa, 2005:192). Essas sábias palavras mostram que o monopólio secular informativo dos jornais (e também dos veículos que compõem o mainstream media – TV, rádio e impressos – no século XX) acabou, mas essas grandes marcas da comunicação mundial conseguirão manter seus negócios se souberem utilizar as novas tecnologias para fomentar o acesso à informação entre o público. Como vimos nas palavras de Pierre Lévy e Manuel Castells, hoje o leitor é parte do negócio da informação, não mais apenas como consumidor, mas como produtor também.

A edição de Agosto de 2006 da revista The Economist, publicação inglesa, destacou a seguinte manchete em sua capa: “Who Killed the Newspaper?” (Quem matou o jornal?), onde uma matéria comenta sobre o estudo de Philip Meyer, Os jornais podem desaparecer?. Meyer prevê o fim do jornal impresso nos Estados Unidos dentro dos próximos 35 anos, como já comentamos na introdução desse trabalho e ainda abordaremos com mais profundidade logo adiante.

Em matéria publicada em O Estado de S. Paulo em 24 de agosto de 2006[37], o jornalista Renato Cruz responde à pergunta da manchete de capa da revista The Economist com a simples colocação: “A Internet”. E depois acrescenta o seguinte dado: na Inglaterra, leitores de 15 a 24 anos dizem que gastam 30% menos tempo com jornais desde que começaram a usar a Internet[38].

Sobre esta mesma matéria da revista The Economist, os jornalistas Filippo Cecílio e Rodrigo Delfim escreveram uma longa matéria no jornal laboratório Contra Ponto, do curso de Jornalismo e Filosofia da PUC-SP, em setembro de 2006. O título da matéria questiona: “Onde seria o velório?”. No texto, os dois jornalistas expõem opiniões de especialistas e outros jornalistas, dentre eles Renato Pompeu, da revista Caros Amigos, que diz: “Não sou capaz de prever o futuro, mas assim como o cinema e a TV não acabaram com o teatro e a literatura, e a fotografia não acabou com a pintura, também acho que a Internet não vai acabar com a mídia impressa, que deverá procurar os seus nichos, tal como fizeram o teatro e a literatura e pintura”. O doutor em Ciências da Comunicação José Salvador Faro (PUC-SP ), alerta para o fato de as notícias transmitidas pela Internet serem mais “quentes”, ou seja, veiculadas logo após os fatos concretos decorridos enquanto os meios impressos precisam esperar a próxima edição – um dos nichos para evitar a “morte” do jornal impresso seriam eles “tornaram-se cada vez mais veículos analíticos do que simplesmente informativos”. Podemos observar, em ambas opiniões acima, que a solução apontada para evitar a “morte” do jornal impresso seria a sua segmentação, mas, nesse caso, eles não estariam então fazendo o mesmo papel das revistas, ou mesmo os impressos, conhecidos como tablóides? Nesse caso, os jornais impressos teriam de virar revistas ou pequenos tablóides e, de qualquer maneira, estariam morrendo, pelo menos da forma como são concebidos atualmente. A matéria não pára por aí, ela questiona o fato de a revista The Economist referir-se aos cenários europeu e norte-americano, e tal discussão no cenário brasileiro tem de levar em conta outros fatores, dentre eles está o fato de que, ao contrário das sociedades européias, onde a maior parte da população é consumidora de jornais, no Brasil grande parte das pessoas sequer sabem ler e os públicos dos jornais são apenas das classes A, B e C, os mesmo consumidores que têm acesso à grande rede. Por outro lado, os planos de inclusão digital para as classes baixas, que passam também pelo aprendizado e o hábito da leitura, poderiam fomentar o aumento da demanda tanto de jornais quanto de revistas, contrariando as previsões negativistas em relação à falência dos jornais. A matéria também aponta o fato de os novos tablóides que surgem no país, que fomentam o aumento da mídia impressa, e de o Brasil também consumir jornais estrangeiros, o que demonstraria a importância do jornal impresso por aqui e a sua força. Outro destaque importante da matéria foi a menção ao 6º Congresso Brasileiro de Jornais (29/08/2006), que coloca uma notícia alarmante. A AJN – Associação Brasileira de Jornais – através da voz de seu presidente, expõe: “A AJN não visa uma maior integração com os meios eletrônicos, como os blogs, e sim cobrar dos sites de notícias uma parte dos lucros e possivelmente processá-los por quebra de direitos autorais”. Tal declaração foi feita em função da gradativa perda de receita publicitária dos jornais impressos frente aos seus rivais digitais e, como veremos mais adiante em comentário de artigo de Caio Túlio Costa, demonstra um total despreparo e desconhecimento das potencialidades das novas mídias, sobretudo a Internet e a sua capacidade de veiculação da notícia. Um pensamento negativo como esse demonstra claramente a falta de visão que está fazendo as mídias tradicionais perderem seu espaço frente às digitais. É sobre o que comenta o jornalista Alberto Dines através do site Observatório da Imprensa: “Todas as soluções para salvar a imprensa mencionadas na reportagem são sopradas por consultores e analistas que jamais meteram a mão na massa, não aparece um jornalista eletrônico explicando as vantagens da Internet sobre os jornais impressos” e, vamos além, não aparece também a figura mais importante desse complexo sistema, o leitor, seja ele do impresso, do digital ou de ambos. Apesar de a matéria da revista The Economist anunciar o fim do jornal impresso, não podemos concluir se isso irá mesmo ocorrer, porém tal notícia e sua repercussão demonstram claramente que algo está acontecendo, algo está mudando, daí tanto debate, tantas discussões e opiniões diversas.

Mas no meio de tanta discussão, de tantas informações e questionamentos sobre o futuro dos jornais, uma notícia veiculada na Folha de S.Paulo[39] traz um dado interessante de uma pesquisa divulgada nos Estados Unidos em 2007. Enquanto os dados demonstram a queda de circulação dos jornais impressos, o estudo mencionado aponta para um aumento de 8% na leitura dos jornais, computando-se os impressos e os digitais, e a leitura dos sites dos jornais teria aumentado 200% entre 2001 e 2005. Estes dados mostram que, se existe uma crise que afeta os jornais impressos, não existe crise para o jornalismo. Aliás, é o que aponta a própria Folha em pesquisa dentro de sua redação, onde 89% dos ouvidos são otimistas em relação ao futuro do jornalismo, embora muitos (35%) acreditem que a web nunca superará o impresso como principal veículo informativo. Essa pesquisa mostra que a crise dos impressos é algo muito relativo, mas que a chegada da Internet aponta para novas tendências, tanto para os impressos quanto aos novos espaços viabilizados pela web. Isso é fato[40].

Um exemplo de uma nova tendência para os jornais impressos poderia estar em um novo jornal que só cresce enquanto os tradicionais sofrem com queda de tiragem, o Metro. A publicação é originária da Suécia e alcança países na Europa, Ásia e América, com cerca de 80 edições diárias em 20 línguas[41], totalizando cerca de 22 milhões de leitores mundo afora. O veículo é um tablóide diário que trata de generalidades e é distribuído gratuitamente em locais públicos, como nas estações de metrô, e tem grande aceitação entre o público jovem cosmopolita. Trata-se de uma iniciativa privada custeada pela propaganda veiculada no jornal (através de contratos com grandes marcas mundiais). Em São Paulo, duas publicações utilizam-se da mesma estratégia, o Destak e o Metrô News, somando tiragens que ultrapassam 300 mil unidades. Ainda existem diversas outras publicações gratuitas semelhantes que vêm registrando um aumento vertiginoso de tiragens em grandes cidades mundo afora. Mas existe uma grande diferença entre receber um pequeno tablóide de graça no metrô e receber um O Estado de S. Paulo ou um The New York Times. Indicar esse tipo de iniciativa, como caminho à crise que afeta os grandes jornais impressos, é apontar para o abismo e falar “pule”. Esses tradicionais jornais seculares são muito mais que veículos de informação e publicidade, abrangem uma dimensão muito mais ampla, possuem história, têm peso na formação da opinião pública, se colocam ideologicamente dentro da sociedade, algo que não pode ser substituído apenas por uma fórmula que traz tiragens volumosas e retorno financeiro. No entanto, grandes jornais (como os dos grupos Folha e Estado) podem considerar a hipótese de lançar esse tipo de publicação como um novo meio para aumentarem a renda de suas empresas, como uma nova publicação. Mas imaginar que esse tipo de publicação possa substituir seus principais veículos, torna-se uma hipótese cujos fundamentos nem precisam sequer ser considerados, representaria o fim dos jornais como os conhecemos.

Tiago Bugarin, diretor-geral do Metro de Portugal, falando sobre o fenômeno dos jornais gratuitos, destaca que “em termos editoriais é feito de maneira diferente da imprensa diária, é muito objectivo, escrito de forma concisa, factual e muito independente. A informação é feita para quem tem muito pouco tempo a perder. E nós tentamos dar uma resposta eficaz a essa necessidade”. Bugarin ainda dá ênfase ao fato de esse tipo de publicação, tanto não ser um caminho alternativo à crise dos impressos, quanto não se constitui como uma ameaça aos mesmos, onde expõe:

Os jornais pagos terão sempre lugar no mercado, têm uma audiência própria. Pelo tipo de artigos que têm, pelo desenvolvimento das notícias que fazem, pela quantidade de crónicas de opinião. Coisas que o Metro não tem. Tem outra forma de ser construído, outra filosofia editorial e dirige-se a outro público. (...) um é gratuito outro é pago. Tem a ver com a densidade e com a complexidade de informação que é encontrada num e noutro título. Um jornal pago da imprensa tradicional não pode ser lido da mesma forma. As peças jornalísticas são de investigação, procuram aprofundar muito os temas e obrigam a uma leitura muito mais densa[42].

Percebemos, dentro de todas essas colocações, que são várias as peças que se posicionam em torno dessa relação entre o jornal e as novas mídias. Enquanto algumas movem-se em favor da tradicional mídia impressa, outras a cercam e a ameaçam de cheque-mate. Como se não bastasse, o jogo ainda ganha novas peças. Da mesma forma que as novas mídias se posicionam de forma ameaçadora frente ao jornal impresso, elas se colocam como a válvula de escape: o jornal continuaria existindo, seu suporte apenas é que deixaria de ser impresso, tornando-se digital. Nesse caso, o principal canal de comunicação dos jornais, até então impressos, passaria a ser a Internet, e os impressos seriam apenas um complemento, um luxo para carregar para qualquer lugar, sem bateria, que não “pifa” e que pode ser dobrado, amassado, rabiscado, virar material de limpeza e que nenhum ladrão tem interesse em roubar.

Em entrevista para Robert Cauthorn – um dos pioneiros na informação online no Brasil – publicada no jornal Folha de S.Paulo em 25 de Março de 2007[43], o jornalista Laure Belot P. Santi, do jornal francês Le Monde, afirma que “o barateamento da banda larga e telas portáteis de alta qualidade modificarão profundamente os jornais impressos, que em breve deverão sair apenas nos fins de semana”. O jornalista destaca que importantes diários norte-americanos correm o risco de serem extintos em apenas uma geração, que tal mudança “é só uma questão de os preços do ‘papel eletrônico’[44] e das conexões sem fio chegarem a um nível acessível”. Em sua entrevista ao citado repórter, Cauthorn também destaca que tal revolução, já em curso, dizimará o jornal impresso quando, além do papel eletrônico (que ele se refere como telas flexíveis), outros meios físicos se tornarem acessíveis em grande escala, dentre eles a tinta digital. Cauthorn também destaca que a cadeia de produção e distribuição dos jornais impressos é hoje obsoleta em relação à necessidade de rapidez na informação jornalística, e que, nesse quadro, os meios digitais suplantarão totalmente os diários impressos. O jornalista também destaca o avanço dos blogs, e comenta que alguns blogueiros, sobretudo nos Estados Unidos, gozam da mesma notoriedade quanto alguns dos maiores editores, mas adverte que, em questões mais profundas, principalmente as ligadas ao jornalismo investigativo, sempre será necessária a retaguarda de uma grande editoria[45].

Dentro desse raciocínio, fica evidente que a Internet, ao mesmo tempo em que põe em cheque o velho modelo de jornalismo impresso, apresenta-se como um novo suporte que poderá representar uma grande economia de custo dentro de toda cadeia produtiva (incluindo a produção de informação) e distributiva inerente a tal negócio, vindo, assim, a beneficiá-lo.

Outra notícia que surpreendeu muitos, e que demonstra como a Internet está realmente mudando os hábitos de consumo do cidadão moderno e “matando” o jornal impresso, e que se encaixa no raciocínio acima, foi o anúncio da Time Warner[46] que divulgou estar retirando de circulação a tradicional revista fotográfica norte-americana Life, cuja última edição foi a de 20 de abril de 2007. Porém o acervo fotográfico e novas publicações da Life continuarão acontecendo, mas agora apenas através da Internet. A editora chefa da revista, Ann Moore, por ocasião do anúncio do fechamento da revista, afirmou: “O mercado mudou de maneira dramática desde outubro de 2004, e hoje já não é apropriado continuar a publicar a Life como suplemento de jornal”. Esse fato, apesar do tom tristonho da notícia, mostra como uma publicação que perde seu valor para comercialização de forma impressa tem espaço na Internet, mesmo que com menor, pouco ou, até, nenhum valor comercial, mas que de qualquer forma está lá, seja como marca e/ou conteúdo.

A crise dos jornais impressos também é sentida e debatida em diversos países da América Latina. O editorial de abril de 2007 da revista Chasqui[47], debate as mudanças que afetam os periódicos impressos como “el cambio más importante de su historia en el que – afirma el profesor Ramón Salaverría – no está en juego su supervivencia pero sí su hegemonia[48]. A crise deixa de ser vista apenas como uma queda de venda ou faturamento, mas sim, como uma ruptura hegemônica: o império dos jornais impressos está ruindo. O editorial também aponta para uma das tendências vistas como a saída para essa crise por parte dos jornais: “las dificultades que enfrentan los diarios y sostiene que, si quieren mantenerse vivos, ya no podrán continuar siendo órganos puramente noticiosos sino optar – por ejemplo – por la interactividad, entendida como la posibilidad que tienen los ciudadanos de escribir en los diarios por propia iniciativa, manifestando opiniones que no necesariamente coincidan con la página editorial del médio[49]. Essa tendência inclui usufruir as novas características do novo meio (que analisaremos no próximo capítulo), fazendo da interatividade um caminho para a pratica de um jornalismo mais pessoal e livre de coerções.

Enquanto alguns estudiosos enxergam a ruptura de uma hegemonia, outros enxergam essa mudança não como uma ruptura, mas como o fim da profissão de jornalista, como insinua o professor de ética jornalística Álvaro Caldas: “O que se coloca em discussão diante desse quadro de rápidas transformações é não só o futuro do jornal impresso na era da informação eletrônica como também do jornalismo como profissão” (Caldas, 2002:38). O fim do jornalista é algo que vai além da crise dos jornais impressos na atualidade, inclui um amplo debate que chega até as raízes epistemológicas da Comunicação, onde uns crêem que o jornalismo é um campo de estudo à parte, aquém dessa área de conhecimento, outros enxergam essa profissão apenas como o domínio de um conjunto de técnicas, que não demandaria o status acadêmico que detém. Como vemos, essa crise extrapola as questões que hoje afetam a hegemonia dos jornais impressos. A relação da Internet dentro deste debate do jornalismo ganha urgência quando, com as novas mídias, a desintermediação e a introdução do indivíduo neste terreno cibernético, surgem pessoas sem vínculo com essa tradicional instituição com a mesma capacidade, no mínimo técnica, para essa prática profissional. O blogueiro, como ainda analisaremos no decorrer desta dissertação, talvez seja o grande exemplo desse novo profissional que aparece após o advento da grande rede.

No cenário nacional, uma matéria da Folha de S.Paulo, “Tem futuro?”[50], aponta números da queda das tiragens dos três maiores jornais do país (Folha de S.Paulo, O Globo e O Estado de S. Paulo). Os dados mostram uma queda de 30% na circulação dos três grandes entre os anos de 2000 a 2005, “é como se um dos três tivesse deixado de circular”, diz a matéria, que depois se pergunta: “O que está acontecendo com os jornais?”. Na tentativa de responder, algumas hipóteses são traçadas: “a concorrência com as novas mídias, o crescimento ininterrupto da Internet e o fluxo livre de informações, a chegada dos blogs de notícia, as mudanças de comportamento”, fatores que são citados por diversos outros jornalistas e estudiosos que percebem as mudanças que vêm afetando os jornais impressos. Uma das perguntas que a matéria da Folha faz dentro desse cenário de crise é: “E a credibilidade?” que, segundo uma única pesquisa do Ibope (2006), os jornais estariam bem, mas, “os leitores estão cada vez mais críticos, e questionadores. E irritados também”. No final, a matéria ainda traz um texto do jornalista Matias Molina (do jornal Valor Econômico), que pode ser relacionada com essa mudança de postura do leitor, agora mais crítico. Molina diz: “Há um consenso entre os observadores do mundo da comunicação que o futuro dos jornais depende em parte da qualidade de informação que conseguirem colocar à disposição do leitor” (o que analisaremos através do estudo de Philip Meyer no tópico a seguir). Neste consenso, entendemos que a qualidade de informação que um jornal deverá fornecer independe da sua plataforma, impressa ou digital. Sendo assim, a Internet não pode ser apontada como vilã na crise que afeta os jornais impressos.

Um artigo apresentado no XXX Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação, de autoria do especialista em Jornalismo Científico Sabine Righetti e do pesquisador livre-docente Ruy Quadros (UNICAMP), analisa a inovação tecnológica dos dois grandes jornais paulistanos, a Folha de S.Paulo e O Estado de S. Paulo (Righetti e Quadros, 2007). Algumas informações desse estudo mostram como essas empresas estão lidando com a crise de seus jornais diários, chegando a desmistificar alguns dos contornos de sua relação com a Internet. Eles apontam um estudo de Manta (1997) onde a Internet não estaria roubando verbas publicitárias dos jornais, pelo contrário, “pode se tornar alvo do mercado publicitário, pois oferece formas vantajosas de publicidade, como a interatividade, a redução dos custos de produção e de distribuição” (em Righetti e Quadros, 2007:4). Assim, eles verificam que a questão da verba publicitária não teve peso na queda de circulação dos jornais que veio em paralelo à ascensão da Internet. Eles mostram que em relação à Folha de S.Paulo:

Apesar de ter praticamente mantido sua renda publicitária, o jornal observou uma redução de 44,6% na sua circulação, tendo caído de uma média de 518 mil exemplares por dia (em 1996) para 287 mil exemplares diários (em 2006). Também o número de assinantes sofreu uma redução significativa de 33,1%, tendo passado de 405 mil assinantes para 272 mil, no mesmo período (Righetti e Quadros, 2007:10).

Através de declarações de Sandro Vaia, diretor do Estadão em 2006, Righetti e Quadros entendem que a crise dos impressos vem de antes do advento da Internet, os dados relativos à publicidade seriam mais um demonstrativo dessa tendência. Aliás, as vendas já vinham declinando antes, levando também abaixo, o valor publicitário do veículo. Apesar do baque descrito durante o decênio 96-06, os jornais conseguiram manter-se graças à “uma movimentação com objetivo de aumentar a circulação dos jornais para atrair novos mercados anunciantes, a partir dos chamados ‘anabolizantes de vendas’ (fascículos acompanhados do jornal, como enciclopédias e livros) e da criação de novos títulos, em especial jornais populares” (Righetti e Quadros, 2007:4). Ainda esclarecem que:

Vaia dialoga com a literatura ao afirmar que a crise do jornalismo impresso teve início antes da Internet, mas acredita que a web pode ter acelerado o processo. Para o ex-diretor do O Estado de S.Paulo, um dos problemas do jornalismo impresso que acaba repudiando (ao invés de atrair) os leitores é a queda de qualidade do produto. Tal processo é provocado principalmente pela falta de recursos humanos necessários para manter um bom jornalismo, devido ao enxugamento das redações e à sobrecarga dos profissionais atuais (Righetti e Quadros, 2007:14).

Para o Grupo Estado, a crise trouxe conseqüências além da perda de leitores, o grupo não se estruturou rapidamente na Internet como a Folha fez através do UOL, e não “conseguiu manter seu mercado leitor e, tampouco, aumentou seu mercado anunciante no jornalismo impresso” (Righetti e Quadros, 2007:14). E se a Folha perdeu cerca de 44% de leitores e 33% de assinantes até 2006, hoje, ela ainda se gaba por ter mais de 84 mil leitores que o concorrente (Estadão) na cidade de São Paulo.

Em outro artigo de Caio Túlio Costa, intitulado “Por que a Nova Mídia é Revolucionária” (2006), o professor faz um ensaio demonstrando a dificuldade das empresas tradicionais de comunicação ao lidar com a emergência das novas mídias, em especial a Internet, onde afirma:

O desenvolvimento das novas tecnologias (...) exige que se compartilhe o poder da comunicação com o consumidor (...) A Internet é rica porque pode misturar texto, foto, áudio, vídeo na tela do computador à sua maneira – exigindo a interação. Permite (...) a intervenção direta do consumidor, de uma forma difícil para os mais velhos entenderem, mas que qualquer criança intui (Costa, 2006:21).

Com tal declaração, fica fácil compreender o porquê dos jovens, segundo os dados apontados anteriormente, desenvolverem o hábito de se informarem através da Internet, relegando à segunda mão os veículos impressos, confirmando, assim, os prognósticos de que a próxima geração será “digital”, onde os tradicionais meios impressos serão relegados a um segundo plano, muitos tendendo até mesmo a desaparecer.

O professor, porém, não é tão pessimista. Ele acredita que o jornal impresso não irá “morrer”, mas ratifica a tendência de que esses veículos se tornarão pouco rentáveis:

Ninguém vai matar o jornal [...] Desde a década de 90, [...] essa indústria necessita voltar sua atenção total às margens decrescentes de lucro, e tornou-se imperativo cortar custos – seja de mão-de-obra seja de matéria-prima. Ela não está condenada a morrer, mas está destinada a parar de crescer da maneira como sempre cresceu, a não ser que domine a plataforma da nova mídia, caso contrário, alguém lhe toma o lugar (Costa, 2006:21-22).

Em seu artigo, o professor exemplifica com um simples dado comparativo, como o valor da comunicação mudou com a chegada da Internet: o valor de mercado da Google é quase o dobro da Time Warner, uma das mais tradicionais empresas comunicacionais norte-americanas e detentora de inúmeras revistas, canais de TV, empresas cinematográficas e até mesmo um portal de acesso à Internet, a AOL[51]. E a coisa não pára por aí, como veremos, o movimento da Google em torno das empresas jornalísticas, inclusive as brasileiras, já se faz presente na Internet. Esta referência a Google mostra como uma companhia que sabe usufruir as novas peculiaridades interativas da web ganha espaço e valor dentro dessa nova era digital.

Para Túlio Costa, a chave dessa “revolução” da Internet está na quebra do alicerce em que a mídia sempre se apoiou, onde um emissor construía e enviava o conteúdo para receptores passivos, até o surgimento da web. Como já enfatizamos, agora o receptor quer também fazer parte da emissão, participar ativamente do processo comunicacional, quer ouvir e ser ouvido – está aí a grande mudança de paradigma advinda da Internet. Além disso, com a magnitude de informações disponíveis na grande rede e o receptor, agora ativo, este tem mais chances de se esquivar da publicidade[52] imposta pelos meios tradicionais e escolher os conteúdos que melhor lhe convêm, o que é mais difícil nos tradicionais meios estanques do mainstream media. Talvez aí esteja a chave da crise dos antigos meios e dos jornais impressos.

Diversas outras notícias perambulam pela mídia[53] e evocam a crise que os jornais impressos atravessam. Nos falam das diversas mudanças que, tanto a Internet como as novas tecnologias computacionais, vêm impondo ao jornalismo. Escreveríamos parágrafos e mais parágrafos analisando tudo que se diz nessas diferentes matérias, sendo que muitas delas têm como base o profético estudo de Philip Meyer que, devido a sua forte repercussão, iremos analisar no próximo tópico.

A Profecia de Meyer

Até aqui vimos colocações diversas sobre a relação das novas mídias e as dificuldades por que passam os jornais impressos. Fica claro que o novo “alicerce” da mídia digital altera todo panorama dos negócios comunicativos, uma mudança que afeta a mídia como um todo, inclusive o jornalismo. Mas qual seria o claro fator que explicaria o fato de apenas os jornais impressos estarem sofrendo com essas mudanças? O estudo de Philip Meyer, Os Jornais podem desaparecer?, é muito preciso ao apontar os fatores que levam à crise dos impressos e, segundo o autor, poderão levá-lo à extinção antes da metade deste século.

Logo na introdução de seu estudo, Meyer expõe qual é a peça-chave que faz a Internet levar os impressos à crise: a segmentação. Citando os estudos do sociólogo Richard Meisel[54], ele mostra que a segmentação da mídia, que envolve todos seus setores, é uma tendência que vem de muito tempo e, cada vez mais, se intensifica. Dessa forma, Meyer afirma que “a Internet é apenas a mais recente de uma série de avanços que contribuíram para a ‘segmentação’ da mídia” (Meyer, 2007:12). E depois complementa: “Ao atender de modo cada vez mais eficiente quem busca informação segmentada, a Internet acelera essa tendência em direção a públicos menores” (Meyer, 2007:12). Ao mesmo tempo em que a segmentação é um fator que está diluindo os leitores por novos meios, quadro que, com a Internet se agrava, essa tendência explica a busca ávida por “conteúdo” vista nos portais informativos da web, incluindo os jornais impressos que lá se encontram, tanto em parcerias com grandes provedores, como provendo acesso e diversos novos canais comunicacionais, numa mostra que, nesse novo terreno, é preciso se expandir para englobar os novos e, cada vez menores, públicos.

Mas como se explica o fato de a Internet agravar a crise dos jornais impressos? Meyer responde a esta questão com o que chama de “o modelo de influência”. Segundo ele, “os jornais estão no ramo de expor leitores aos anunciantes”. Neste ramo, o negócio ganha valor quando o jornal consegue exercer influência sobre o público leitor, quanto maior a influência, maior o valor do veículo. Meyer aponta que “um jornal produz dois tipos de influência: influência social (...) e influência comercial” (Meyer, 2007:17), e relaciona essas instâncias com o valor do jornal: “A influência de um meio de comunicação pode aumentar sua influência comercial. Se o modelo funcionar, um jornal influente terá leitores que confiam nele e (...) mais valor para os anunciantes” (Meyer, 2007:18). A Internet está mudando o quadro sólido por onde esse modelo se estruturou no decorrer do século XX, pois “as novas tecnologias (...) mudam a natureza do público” (Meyer, 2007:18-19), além de outros fatores que alteraram o caminho por onde a publicidade se espalha: “A impressão mais barata e de melhor qualidade também tornou a publicidade de malas-diretas mais atraente e contribuiu para a segmentação da mídia muito antes de existir a Internet" (Meyer, 2007:19). Nesse último quesito, é evidente que as tecnologias de rede, com seu alto poder de contabilização e análise de dados, dentro da lógica da customização da informação (e também da propaganda), tende a agravar esse quadro.

No seu estudo, Meyer aponta para um fato inexistente antes da era “pós-Internet”: a escassez de atenção (Meyer, 2007:19-20). Com a diluição da atenção do público diante das novas opções oferecidas pela web, os jornais impressos, que durante o desenvolver do seu negócio sempre se preocuparam mais em maximizar o lucro, estariam cometendo um erro: “os jornais deveriam estar mais interessados em conquistar uma percentagem relevante [de atenção na Internet] do que em maximizar a lucratividade a curto prazo” (Meyer, 2007:26), ou seja, os jornais deveriam reverter seu lucro em investimento em inovação. O fato se agrava quando pensamos que os grandes jornais deixam de ser comandados por famílias e passam a responder à sede de lucro dos acionistas, “Uma visão ainda mais abrangente (...) vê a pressão dos investidores corroer o profissionalismo em diversas áreas (...). A corrosão dos valores de profissionais liberais pode ser uma estrutura útil para examinar o que está acontecendo com os jornais” (Meyer, 2007:25). A questão da “corrosão dos valores” é algo que ainda abordaremos adiante, no capítulo sobre a crise ética do jornalismo.

Dentro do seu modelo de influência, Meyer passa a medir valores de confiança nos jornais, comparando-os com dados de leitura dos mesmos, durante o período de 1967 a 2002. O gráfico destas medições mostra que:

 A linha de tendência cai a uma taxa média de 0,6 ponto percentual por ano, o que levaria a zero em 2015. Mas (...) o declínio deu sinais de nivelamento após uma quebra brusca entre 1991 e 1993. Agora vamos ver o que aconteceu com o hábito de leitura diária dos jornais no mesmo período.
Esta é uma linha íngrime, e há menos variação ano a ano. A declividade é um pouco superior a 0,95 ponto percentual por ano. Tente prolongar essa linha com uma régua e ela mostrará que não haverá mais leitores de jornais no primeiro trimestre de 2043 (Meyer, 2007:27).

Eis a “profecia” do estudioso. Porém, o próprio Meyer questiona a validade de sua projeção: “O fato de que tanto a confiança quanto o número de leitores vêm diminuindo a uma taxa semelhante no mesmo período não significa que uma coisa seja causa da outra” (Meyer, 2007:27). Em outro gráfico, Meyer mostra que a baixa no número de leitores também se relaciona com o hábito de leitura das novas gerações que, cada vez mais, lêem menos jornais: “Desde que a geração dos baby boomers [nascidos no pós-guerras] envelheceu, sabemos que os jovens lêem menos jornais (...). Durante anos, nos consolamos achando que eles se tornariam parecidos conosco e adotariam o hábito de ler jornais quando fossem mais velhos. Isso nunca aconteceu” (Meyer, 2007:28). Quanto à questão da diminuição da influência do jornal, expõe: “(...) precisamos de um projeto experimental que compare o uso dos jornais em comunidades com diversos níveis de credibilidade durante um longo intervalo de tempo” (Meyer: 2007, 29), ou seja, um longo estudo sobre credibilidade[55], item que, como vimos, pode ser chave para a sobrevivência, ou o fim (caso mal trabalhada), para os jornais impressos dentro da nova era comunicacional interconectada.

Embora o estudo de Meyer aponte para o fim dos impressos, em parte pela perda de sua influência perante o público, entendemos que essas instituições têm chances de reverter esse quadro, a credibilidade pode ser reconstruída, re-trabalhada e, até, valorizada como marca, inclusive através dos novos meios. Se o público jovem é desabituado à leitura de jornais e, cada vez mais, tende a migrar para os novos meios interativos, tudo leva a crer que os jornais tentarão migrar para essa nova esfera onde poderão, inclusive, conquistar a confiança de novos públicos e, quem sabe, reverter esse quadro relacionado a sua influência. E mais, o estudo de Meyer aponta a influência dos impressos em grande parte relacionada com a cidade (condado) de sua origem e, sendo a Internet uma mídia global, um grande jornal poderia utilizar o seu valor de marca para conquistar públicos mais amplos, além do seu condado de origem. Mas como medir isso? Essa é uma dúvida que ainda põe em cheque os modelos de negócio na Internet, e foram as exatas palavras do diretor do Ibope Inteligência Marcelo Oliveira Coutinho Lima[56] ao se referir às novas iniciativas provenientes do usuário na web que ganham a atenção de milhares de internautas (como um simples vídeo no Youtube), em contrapartida à escassez de atenção típica do novo meio sofrida por grandes órgãos de mídia que investem milhões em publicidade.

O próprio Meyer aponta a Internet como uma saída para os jornais impressos dentro dessa tendência, dentre outras alternativas, expõe: “Entre na indústria substituta” ou “Trate de exaurir a posição do mercado” (Meyer, 2007:42), esta última seria uma tática de “espremer a laranja ao máximo”, extraindo todo lucro possível antes do fim do negócio, estratégia que Meyer também chama de “pegue-o-dinheiro-e-corra”. Em seguida, ele discorre sobre esses dois cenários táticos que as empresas podem adotar num momento de crise como este.

1-) Pegue o dinheiro e corra

Neste cenário[57] “os donos aumentam os preços e simultaneamente tentam manter a sua rota de lucratividade com as técnicas usuais: diminuir espaço editorial, cortar pessoal, reduzir a circulação em áreas remotas (...) manter baixos salários” (Meyer, 2007:49). Essa seria uma maneira de resolver o problema financeiro, mas que não se sustentaria em longo prazo, pois “cobrar mais e entregar menos não é uma estratégia que possa ser mantida por tempo indefinido” (Meyer, 2007:48)[58]. Ainda cremos que, nessa estratégia, a credibilidade do jornal acaba sendo colocada em segundo plano e, como vimos, a credibilidade é parte fundamental dentro do “modelo de influência” proposto por Meyer. Portanto, deixar a credibilidade em segundo plano significa, em longo prazo, diminuição na influência do jornal sobre a comunidade e, portanto, sua desvalorização perante o público e, conseqüentemente, perante os anunciantes. Ainda, neste cenário, podemos perceber que a Internet e os novos aparatos digitais vêm servindo como uma maneira de diminuir custos, neste sentido, ela se mostra como uma ferramenta que não engrandece a antiga mídia e, embora possa dar fôlego financeiro para empresas com a automatização de tarefas e redução de pessoal, no longo prazo é uma tática que não colabora para o fortalecimento da credibilidade perante a comunidade.

Sobre o valor da credibilidade, Meyer expõe que ela “explica 19% da variação residual nos preços dos anúncios publicados. Seu efeito é estatisticamente significante” (Meyer, 2007:63), e complementa: “(...) um ponto percentual de melhora da credibilidade vale um aumento de 2,5% no preço de tabela do espaço publicitário de um jornal” (Meyer, 2007:64). Fica claro que apostar em táticas que levem à diminuição da credibilidade do jornal não pode ser uma estratégia duradoura, por mais que se mantenham altas as taxas de lucro dentro do curto prazo.

2-) Insira-se no novo ambiente

Este cenário é assim descrito por Meyer: “Os donos atuais – ou seu sucessores – aceitarão a realidade da nova competição, investirão no aprimoramento de produtos que explorem totalmente o poder da mídia impressa e transformarão os jornais em grandes players num mercado de informação que inclui a mídia digital”, que depois aponta: “No segundo cenário, as empresas jornalísticas aprimorariam, em vez de degradar, seus produtos editoriais” (Meyer, 2007:50). Assim entendemos que, nessa tática, as possibilidades de manutenção e fortificação da credibilidade são maiores, já que não há degradação no produto, ao contrário, ele se renova.

As empresas jornalísticas que hesitam em explorar os novos ambientes podem realmente falir, pois dificilmente conseguirão vender o seu negócio. Segundo Meyer, durante muito tempo os jornais foram um negócio com altas taxas de lucro. No novo cenário midiático atual, essas margens caíram drasticamente, “(...) não existe uma transição simples de uma indústria acostumada a margens de 20% a 40% para uma que se contente com 6% ou 7%” (Meyer, 2007:48). Os jornais são um bom negócio quando apresentam alta lucratividade, uma vez esta em baixa, tornam-se um “mau negócio”. Para ilustrar essa situação, Meyer faz a seguinte reflexão:

Se eu lhe vender uma galinha que bota um ovo de ouro por dia, você me pagará um preço baseado na sua expectativa de retorno sobre o investimento (ROI, na sigla em inglês), que deve ser maior do que o banco pagaria num certificado de depósito, mas não muito maior. Ao negociarmos o preço que você quer pagar (e que eu quero vender), ambos estaremos buscando um ROI favorável (...). E partiremos do princípio de que a galinha continuará a botar ovos à mesma taxa.
Avance um pouco no tempo. A galinha (...) passa a botar um ovo de ouro por semana. Isso faz de você um grande perdedor.
Veja, a galinha continua sendo ótima. Você pode resignar-se à diminuição de receita ou vendê-la para um terceiro (...) que ficará orgulhoso (...) simplesmente porque pagou um sétimo do valor gasto por você (Meyer, 2007:49).

Independente da “profecia” que demonstra através de seu modelo, seu estudo aponta para dois fatores que levam à queda da circulação dos jornais: a mudança dos hábitos de leitura das novas gerações de leitores e a queda da influência dos jornais, instância esta que se relaciona, inclusive, com a credibilidade. Além disso, o estudo aponta para uma desvalorização do negócio. A relação da Internet nisso tudo está na quebra do monopólio da informação, hoje o jornal tem um novo concorrente que, aos poucos, vai lhe sugando público e verbas publicitárias, baixando sua lucratividade. Afora os dados que apontam para o fim do jornal impresso em 2043, a verdadeira profecia de Meyer, aquela que parece melhor definir o novo cenário do jornal impresso dentro da era digital, talvez esteja na seguinte frase: “No futuro, haverá espaço para os jornais num ambiente sem monopólio. Eles não serão tão lucrativos, e isso será um problema para seus donos – sejam proprietários privados ou acionistas –, mas não para a sociedade” (Meyer, 2007:48).

O Jornalismo é uma “bobagem”

Em palestra acadêmica realizada na Faculdade Cásper Líbero (São Paulo), em 21 de maio de 2008, o coordenador do programa de pós-graduação de Mestrado e Doutorado da Universidade Metodista de São Paulo, Prof. Dr. Sebastião Squirra, comentou sobre algumas questões que envolvem o jornalismo na atualidade. Suas afirmações foram duras, contundentes e nos remetem à crise que essa instituição atravessa. Sem meias palavras, Squirra afirmou que o modelo de jornalismo atual, institucionalizado e de bases sindicais, praticado por empresas como a Folha de S.Paulo e instituições de ensino como a ECA/USP, é algo que “já morreu”. Comentou que o jornalismo impresso no Brasil “é uma bobagem” e colocou que a “Folha pasteurizou o jornalismo”, hoje, não haveria mais diferença entre os jornais e as assessorias de imprensa e, com relação às fontes, deixou claro que apenas se compõem de “ricos e poderosos, o sistema estabelecido”, enfatizando que “é o sistema que pauta o jornal”. Ainda sobre a Folha, esclareceu que o novo projeto do jornal nada mais é do que uma cópia do USA Today, onde os jornalistas ficam apenas na redação sentados à frente do computador, o trabalho de reportagem é praticamente inexistente.

Todas essas argumentações de Squirra podem ser entendidas como um desabafo de alguém que, dentro de sua grande experiência como comunicólogo, percebe a falência de valores que afetam não só as empresas jornalísticas, mas também as instituições de ensino de jornalismo. Essas afirmações podem ser, inclusive, compreendidas como a expressão da crise ética que vive o jornalismo, e que perpassam pelo que abordaremos no tópico “A Crise Ética”, adiante neste capítulo. Pode-se também observar nas entrelinhas de suas afirmações que, hoje, estamos vivendo um novo paradigma comunicacional, apesar de algumas instituições continuarem a se basear em modelos já ultrapassados. Isso fica claro quando ele se refere aos modelos de jornalismo praticados que já estariam “mortos”.

Squirra findou sua palestra afirmando que “o novo jornalismo é o de autor”. Assim, fica evidente que, sendo o jornalismo de autor uma nova tendência para essa habilitação comunicacional, a Internet se oferece como a plataforma perfeita para essa prática, já que nela o espaço está sempre aberto para qualquer um que queira se engendrar nesta prática, independente dos modelos de jornalismo praticados pelas instituições mais tradicionais. O blog, inclusive, já pode ser apontado como uma plataforma utilizada por diversos jornalistas, englobando toda uma gama de recém-formados, além do próprio cidadão conectado, por onde pode-se observar essa tendência ao jornalismo de autor, seja ele individual, seja ele coletivo (como um produtor colaborativo).

A Questão da Convergência

A convergência pode ser entendida de várias formas. A primeira delas seria como uma evolução tecnológica, onde antigos meios comunicacionais convergem para um novo sistema, melhor, mais dinâmico e, até, mais econômico. Tal prisma de entendimento passa pela obra do professor de História e Legislação dos Meios de Comunicação Antonio F. Costella (USP), Comunicação: do grito ao satélite. No livro, Costella demonstra que toda evolução comunicacional do Homem o leva à criação de uma rede informativa que, hoje, corresponderia à Internet. Antes mesmo do advento da grande rede, quando do lançamento da primeira edição de seu livro, o autor previa:

(...) essa evolução toda, segundo se supõe, levará à dissolução das fronteiras entre as formas de comunicação hoje compartimentadas. Talvez se perca, no futuro, a noção de divisa entre jornais, rádio, televisão, atualmente entidades estanques. A eletronização total da comunicação conduzirá à criação de sistemas multimeios, onde a notícia, a instrução e o entretenimento se integrem no mesmo vídeo e respectivo amplificador de som. Por um mesmo caminho eletrônico nos chegarão todas as informações que agora são trazidas por meio de livros, jornais e revistas, discos e fitas, telefone e rádio, cinema e televisão. E mais, essa avalanche de informações nos será disponível a todo instante pois estarão arquivadas em computadores (Costella, 2001:217).

Esse trecho foi extraído do último capítulo do citado livro, cujo título é “O futuro da comunicação”, publicado em 1984. Em 2001, já em sua 4ª edição, no mesmo capítulo (com um novo título, “O futuro da comunicação... já chegou”), o autor expõe: “(...) tudo aquilo que, em 1984, apresentamos como hipótese futura, já aconteceu. E foi tão rápido!” (Costella, 2001:218). Sim, já aconteceu e está acontecendo, as entidades estanques citadas pelo autor, os diferentes meios de comunicação existentes, agora convergem para a Internet ancorados pela linguagem binária dos computadores. Esse tipo de convergência deixa claro tratar-se de uma evolução comunicacional. Dessa forma, os meios antigos passam a buscar o seu espaço através do meio novo, mais avançado, e assim, evoluem. É também uma forma de entender que a Internet veio para ficar, não se trata apenas de mais um meio que se soma aos antigos, e sim da própria evolução dos meios, a própria evolução comunicacional. E o que a Internet traz de novo e leva a uma evolução comunicacional? O que a Internet traz de novo é o que já mencionamos, a mudança do paradigma comunicacional de um-para-muitos para o paradigma muitos-para-muitos, está aí o alicerce da revolução que muitos pregam. Neste contexto, fica evidente que o futuro da mídia está nesse novo parâmetro comunicacional e, como veremos, esse parâmetro, onde muitos agora têm acesso à mídia, é também um parâmetro por onde se pode observar a convergência midiática.

Para o professor Caio Túlio Costa, em citação aos estudos de Burch, Leon e Tamayo[59], a convergência seria um fator que “dissipa as barreiras antes existentes entre os diferentes meios (rádio, televisão e imprensa) e, inclusive, entre setores diferentes (telecomunicações, informática e comunicação de massas), reduzindo textos, imagens e som a somente um único suporte digital: o bit” (Costa, 2005:182). Além de remeter à afirmação anterior de Antonio Costella, esta colocação ilustra um dos movimentos da convergência que tomam ação dentro da atualidade midiática, a concentração dos sistemas de mídia – que inclui as comunicações, os sistemas de telecomunicações e as empresas de tecnologia – na mão dos mesmos atores (ou de poucos atores), sejam estes advindos de qualquer um desses setores (o que, como vimos, traz novos atores não comunicacionais para o palco da grande mídia). Hoje, no despertar do século XXI, o mundo da comunicação estaria concentrado em menos de dez grandes conglomerados mundiais e, nesses conglomerados, aparecem empresas desses três setores que, aos poucos, vão se fundindo em algumas poucas. Um dos exemplos que citamos e ilustra essa situação é a compra da Time Warner pela AOL. Tal exemplo mostra que, como previra Costella, os meios midiáticos antigos convergem para a nova mídia digital e, se, no desenvolver do seu negócio, este não incluía a nova plataforma digital, hoje eles buscam o seu espaço nela através de compras, vendas e fusões com empresas de tecnologia e de infraestrutura de rede e comunicação (as teles), o que demonstra a necessidade de os antigos meios se colocarem no novo. Essa questão dos grandes conglomerados de mídia é o que ainda abordaremos no tópico a “A Sinergia da Mídia”.

Outra maneira de se entender a convergência é como um novo hábito, uma nova maneira de como as pessoas, os usuários das diversas mídias, interagem com ela e, neste momento em especial, com a nova mídia, já que, nesta, o usuário também é coprodutor da informação. Neste cenário, a evolução midiática não vai só ao encontro das novas tecnologias comunicacionais disponíveis, vai também ao encontro do uso que as pessoas estão fazendo delas. Muitas vezes é o próprio uso que as pessoas fazem dos meios que dita quais serão as formas de interação entre os mesmos e as próprias pessoas, é um conceito que se relaciona com a peer production, a produção dos indivíduos conectados em rede. O conceito de peer production é diretamente relacionado com o novo paradigma comunicacional, é uma maneira de os indivíduos conectados compartilharem informações e recursos sem qualquer tipo de intermediação. Nesse caso, novas maneiras de interação surgem de acordo com a própria criatividade dos usuários. Até mesmo o blog – que já foi colocado como uma ferramenta de jornalismo “subversiva”, pois a discussão, a pauta, parte da base e não de uma editoria –, pode ser entendido como uma expressão de peer production do jornalismo na Internet. Alguns exemplos de como pode funcionar essa peer production relacionada aos blogs ainda serão apresentados neste estudo.

Talvez o maior exemplo que temos dessa nova lógica do peer production esteja na criação do Napster[60], como destaca Manuel Castells:

O caso da Napster, em 2000, foi um momento decisivo. Diante das possibilidades de uma tecnologia (MP3) que permite às pessoas (particularmente aos jovens) compartilhar e trocar suas músicas em escala global, sem pagar nada, companhias fonográficas mobilizam tanto os tribunais quanto os corpos legislativos para restaurar seus direitos de propriedade. Editorias e companhias de mídia em geral enfrentam uma ameaça semelhante (Castells, 2001:149).

Esse é um exemplo claro de como a peer production pode derrubar o monopólio do acesso à informação que, durante séculos, vem sendo controlado por poucas instituições. E, como enfatizou Castells, é uma ameaça não só à indústria fonográfica, mas a toda mídia. Nesse exemplo da Napster, o passo seguinte das gravadoras, além de reivindicar os direitos autorais de suas publicações fonográficas – o que passa por uma longa discussão sobre os direitos autorais em rede, talvez a maior discussão sobre os rumos da comunicação dentro dessa nova era – foi o de melhorar seus serviços de distribuição de música online, mesmo que eles ainda não atendam aos anseios de muitos internautas, que é o livre acesso e compartilhamento de músicas. De qualquer modo, isso mostra como os novos hábitos do usuário em rede podem gerar novas formas de acesso à informação que forçam os antigos meios a convergir, mesmo que a contragosto.

Enquanto Castells aponta para o maior exemplo de como a peer production pode abalar os alicerces da mídia “pré-internet”, o tecnocrata e doutor em Ciências Políticas Sérgio Amadeu da Silveira (USP), define de forma clara as bases de tal conceito. Para aqueles que possam questionar a idéia colaborativa, exclamando que produção em grupo é algo que já existe há muito tempo, Silveira esclarece:

Apesar de os processos colaborativos já existirem há muito tempo no cenário dos negócios e das empresas, o fenômeno atual é diferente. A diferença está no fato de a atual colaboração massiva articular agentes individuais livres, que o operam e reúnem-se para resolver problemas que são do seu interesse. Não colaboram por obrigação, nem estão submetidos a instituições ou companhias (Silveira, 2008:50).

Tal conceito relaciona-se com a compreensão do fenômeno da peer production do professor norte-americano da Escola de Direito de Harvard Yochai Benkler, cuja definição do termo é simplesmente brilhante:

For decades our understanding of economic production has been that individuals order their productive activities in one of two ways: either as employees in firms, following the directions of managers, or as individuals in markets, following price signals. (...) In the past three or four years, public attention has focused on a fifteenyear-old social-economic phenomenon in the software development world. (...) I suggest that we are seeing is the broad and deep emergence of a new, third mode of production in the digitally networked environment. I call this mode “commons-based peer-production”, to distinguish it from the property and contract-based models of firms and markets. Its central characteristic is that groups of individuals successfully collaborate on large-scale projects following a diverse cluster of motivational drives and social signals, rather than either market prices or managerial commands (Silveira, 2008:51 citando Benkler, 2002:3)[61].

Sobre essa “queda de braço” entre os meios mais antigos de produção e os novos meios colaborativos, uma reflexão do professor Caio Túlio Costa sobre as posições de Benkler que aparecem em sua tese de doutorado (2008) através da análise de diversos estudiosos, enfatiza a exposição de Castells de como isso se torna uma ameaça ao meio produtivo e distributivo até então instituído:

O crescimento da força de produção e de circulação da informação e da cultura, pelo indivíduo e de maneira colaborativa, fora da economia de mercado, ameaça aqueles que se beneficiam com a economia informacional de caráter industrial. Nos próximos dez anos [até 2016] será decidido qual dos dois modelos prevalecerá, tendo uma implicação de como ficaremos sabendo do que acontece no mundo e de qual maneira poderemos influenciar como vemos o mundo hoje e como ele pode ser no futuro (Costa, 2008:330 citando Spyer, 2007:118-119).

Como vemos, o conceito de peer production pode ser diretamente relacionado como sendo uma das unidades fundamentais que compõem o novo paradigma da mídia dentro do novo ambiente interconectado. Também pode ser entendido como uma expressão tanto da convergência, quanto da cibercultura de Pierre Lévy, ou até mesmo como um novo paradigma de produção intelectual livre de propriedade, o commons (Silveira, 2008:49-59), que se opõe ao copyright. O caso da Napster é um exemplo claro dessa lógica, como vimos na citação de Castells.

Castells analisa os grandes setores da mídia em sua convergência à plataforma digital e as formas de distribuição de conteúdo online. Além do que destacou do potencial sobre a distribuição de produtos fonográficos, em relação aos impressos, ele enfatiza que “o processo de concepção, produção e publicação de material impresso está sendo inteiramente transformado pela Internet, mas o produto em si (...) não mudará de maneira substancial no futuro previsível” (Castells, 2001:163). Nem a presença de grandes jornais na Internet pode indicar uma convergência dos mesmos para a nova mídia, segundo Castells: “(...) jornais estabelecidos têm de estar on-line para estar sempre lá, prontos para seus leitores, para mantê-los sob o mantra de sua autoridade” (Castells, 2001:163). Se a presença de grandes jornais na Internet não pode ser o indicativo real de que eles estejam convergindo à nova plataforma, para entender como a convergência está mudando as formas de acesso e compartilhamento da informação, é necessário entender como o usuário está interagindo com a rede e o que ele tem trazido de novo para o ambiente comunicacional, e não apenas olhar para a reprodução digital dos meios analógicos agora presentes na web.

Aliás, é o próprio Castells que depois de refletir sobre a dimensão “sinergética” da convergência, faz uma afirmação que deixa em aberto qualquer projeção do que pode vir a ser a integração total dos diversos meios e suas respectivas corporações que se fundem. O espanhol aponta o olhar em direção aos exemplos positivos de interação que surgem na Internet como uma maneira de entender o novo meio, como expõe: “O meio para compreender a relação potencial entre Internet e o mundo da mídia é refletir sobre as poucas histórias de sucesso de sua interação”. Em seguida, o autor expõe aquilo que cremos ser de extrema relevância para entender a convergência: “O que a tecnologia tem de maravilhoso é que as pessoas acabam fazendo com ela algo diferente daquilo para que foram originalmente criadas. (...) a Internet é o resultado da apropriação social de sua tecnologia por seus usuários/produtores” (Castells, 2001:160).

Caio Túlio Costa também vê na questão do bit, além do que já mencionamos parágrafos acima, um ponto de convergência do usuário sobre as novas mídias quando diz que “hoje se sabe que a convergência chega via chip, com o poder de unir diversos aparelhos em um só ponto de distribuição, seja no lar, no escritório ou na rua, mas quem converge mesmo é o indivíduo, em um novo processo de comunicação (Costa, 2008:335).

Mais uma vez, as colocações que levantamos logo no início deste estudo se mostram pertinentes para a compreensão do papel do jornalismo na atualidade. Entender como o usuário interage jornalisticamente dentro da nova mídia ou, ao contrário, entender como novas formas de interação surgidas podem ser consideradas uma nova forma de jornalismo e, também, tentar entender como os velhos jornais poderiam se inserir nessa convergência, talvez essa seja a única maneira de compreender o contexto do jornalismo dentro da nova era da informação.

A Crise Ética do Jornalismo

Diversas questões éticas concernem o papel da comunicação na sociedade atual, e dentro desse contexto está o jornalismo. Para o estudioso da Escola de Frankfurt, Theodor Adorno (1903-1969), a questão ética comunicacional enraíza-se com a própria criação da indústria cultural que, como vimos, foi um dos vetores que transformou a imprensa ao longo dos séculos[62] – da imprensa de opinião para a fase comercial e chegando à fase do interesse ideológico, quando a esfera pública desaparece da mídia. O frankfurtiano coloca que a ética está ficando subserviente a outros fatores:

A questão atual é (...) saber se (...) os homens se sentem em condições de agir individualmente, isto é, agir moralmente. A massificação, a indústria cultural, a ditadura dos meios de comunicação e mesmo as ditaduras políticas são fenômenos que têm de ser analisados também nessa perspectiva, para sabermos até que ponto o homem de hoje ainda pode escolher entre o bem e o mal (Adorno citando Valls, 1996:69).

O professor e doutor em Filosofia Álvaro L. M. Valls (Universitat Heidelberg –Alemanha) ratifica Adorno, atrelando a liberdade com a questão econômica e citando-o: “'Liberdade da economia nada mais é do que a liberdade econômica', ou, mais simplesmente: só não depende do dinheiro quem o tem de sobra" (Valls, 1996:69). E seguindo essa linha frankfurtiana, uma das questões da ética atual que põe em cheque o papel da comunicação é:

(...) na massificação atual, a maioria hoje talvez não se comporte mais eticamente, pois não vive imoral, mas amoralmente. Os meios de comunicação de massa, as ideologias, os aparatos econômicos e do Estado, já não permitem mais a existência de sujeitos livres, de cidadãos conscientes e participantes, de consciências com capacidade julgadora. Seria o fim do indivíduo? (Valls, 1996:47).

Adorno ainda “(...) chama a atenção para o fato de que hoje a ética foi reduzida a algo privado. (...) E se hoje a ética ficou reduzida ao particular, ao privado, isto é um mau sinal" (Adorno citando Valls, 1996:70). Os questionamentos éticos levantados, dos mais gerais chegando aos mais específicos, chega onde figura o jornalismo (que é mantido por empresas privadas na maioria dos casos). Esta instância específica tem os seus específicos códigos de ética. Valls então, questiona o próprio valor do noticiário:

(...) valeria a pena analisar a ótica e a sintaxe da comunicação que aparecem (...) nos noticiários atuais (...) a lógica simples do 'e', da adição pura e simples (...) este tipo de comunicação (...) não favorece o despertar de uma consciência eticamente mais crítica (...) reforça a indiferença e o sentimento de impotência do espectador (Valls, 1996:77).

Essa sintaxe do jornalismo atual (informativa) teria mudado muito em relação aos primórdios da imprensa (de opinião), teria atrofiado a capacidade analítica das massas, as questões éticas assim, teriam desaparecido (mas parecem estar de volta à tona com o advento da web que traz consigo novas questões a serem discutidas além de expor as mais antigas, num meio aberto à crítica aos próprios meios). Tal advento relaciona-se diretamente com os estudos do alemão Jürgen Habermas, que questiona o desaparecimento do espaço público na sociedade atual, fato vinculado ao papel dos meios de comunicação atualmente, e que vão além da imprensa:

Assim, o rádio e a televisão podem ser muito mais ditatoriais do que o telefone, o qual, como as antigas cartas, possui uma forma mais dialogal. Isto não significa que aqueles, como meios de comunicação, não podem ser postos a serviço da democracia (...) na medida em que a informação também é uma forma de poder e como tal, se bem distribuído, de favorecer as relações éticas entre os homens (Valls, 1996:77).

Habermas coloca muito claramente que a informação é uma peça chave para a conscientização ética. Dessa forma, o jornalismo tem papel crucial nas questões que concernem à ética na sociedade atual, e que passam pelo noticiário, a informação e cobertura dos fatos, a escolha de pautas e fontes, e pelos próprios jornalistas. Ao jornalismo, talvez uma das grandes questões éticas seja a levantada por Valls: até onde a construção de linguagem informativa e imparcial da imprensa pode ser ou não considerada ética? Cremos que até o ponto onde a sabedoria nos indica que tal jargão informativo/imparcial não passa de um instrumento para angariar mais leitores e aumentar a venda dos jornais (Costa, 2008:320-344).

Outra resposta poderia estar dentre as novidades que surgem na Internet, onde diversas novas formas de interação e veiculação da notícia permitem o aparecimento de novas vozes que se fazem ouvir ao lado das mídias tradicionais. Como veremos mais adiante, os blogs representam uma nova forma de expressão jornalística que traz de volta o jornalismo de opinião (entre uma miscelânea de gêneros narrativos, como veremos no próximo capítulo), o que pode, com o desenvolver da grande rede, vir a contrabalancear a “sintaxe da passividade” atual denunciada por Valls.

Espetáculo e Jornalismo

Guy Debord é o principal filósofo de referência teórica da Sociedade do Espetáculo, uma unanimidade em tais estudos. Sem meias palavras, o estudioso francês inicia a sua obra clássica já denunciando e definindo o que é a “Sociedade do Espetáculo”: “Toda vida das sociedades (...) se anuncia como uma imensa acumulação de espetáculos. Tudo o que era directamente vivido se afastou numa representação” (Debord, 2003:9). Aqui já conseguimos entender a relação da questão do espetáculo com o capital, a relação entre as teorias de Debord com as teorias de Karl Marx: o espetáculo cresce e, portanto, se acumula como o próprio capital, “o espetáculo é o capital a um tal grau de acumulação que se torna imagem” (Debord, 2003:23).

O livro Comunicação e sociedade do espetáculo (Coelho e Castro, 2006) traz textos que são fundamentais para entendermos as relações das teorias de Debord com a questão do jornalismo dentro da Sociedade do Espetáculo e, como veremos, é fundamental para entendermos como as colocações de Adorno sobre a questão da ética e da indústria cultural ganham novos contornos na contemporaneidade. Uma das palavras-chave que expressa a relação entre espetáculo e o jornalismo é entretenimento, como nos aponta o professor doutor em Sociologia Cláudio Novaes Pinto Coelho (USP): “Vivemos numa sociedade do espetáculo (...) A lógica do entretenimento está por toda parte: nos shopping centers, nas campanhas políticas, nas obras de arte, nas salas de aula, nos meios de transporte e, obviamente, nos veículos de comunicação (jornais, revistas, cinema, televisão)” (em Coelho e Castro, 2006:9). Já existe uma expressão em inglês, um trocadilho que até virou termo comunicacional, que designa essa relação entre o espetáculo e o jornalismo, entre o entretenimento e a informação, é o infotainment, junção das palavras information e entertainment em inglês, informação e entretenimento em português, é o infotenimento[63], palavra que escancara a atual lógica do jornalismo como parte da sociedade do espetáculo. Hoje, o leitor/navegador/ouvinte/telespectador não quer mais apenas se informar, ele quer ser entretido com informações. Assim, como veremos, o jornalismo na atualidade, principalmente aquele ligado ao mainstream media, vai priorizar o entretenimento em detrimento da informação e prestação de serviço, que deveriam ser a sua função primordial e, mesmo essas funções, estariam seguindo a lógica do infotenimento e aos interesses comerciais dos veículos.

O professor e mestre em Comunicação e Mercado Fábio Cardoso Marques (Faculdade Cásper Líbero), em artigo em que reflete sobre a espetacularização da imprensa[64], aponta como é essa lógica dentro do jornalismo contemporâneo: “Os assuntos de interesse público (...) cederam espaço, na chamada grande imprensa, a temas pessoais, sobre figuras públicas e matérias sensacionalistas” (em Coelho e Castro, 2006:33). Dentro dessa lógica voltada para o entretenimento, o jornalismo faz uso daquele item mágico imagético que tanto Debord quanto Baudrillard apontam como ferramentas do espetáculo hiperreal, o uso de imagens: “(...) os jornais e revistas continuam defendendo (...) o trabalho com as imagens e outros elementos gráficos” (em Coelho e Castro, 2006:34). Em outras palavras, a lógica do entretenimento dentro do jornalismo se apropria de valores publicitários ao trabalhar com o seu público. O jornalismo também produz signos como o espetáculo, ou melhor, produz signos que também são os signos do espetáculo, como nos dizia Debord: “A produção da mercadoria-notícia (...) pode revelar uma articulação de níveis simbólicos que produz mitos e preconceitos sobre algumas personalidades ou movimentos sociais. Para isso, podem ser utilizados alguns elementos gráficos” (em Coelho e Castro, 2006:37-38). Citando Ciro Marcondes Filho[65], Marques também relaciona a produção de símbolos do jornalismo com teorias de Barthes e Baudrillard: “A política de produção de notícias tem, assim, o caráter de cultivar a passividade. O tratamento que ela dá aos fatos, quer como mitos (Barthes, 1982) ou signos (Baudrillard, s.d., pp. 99 e ss.; Prokop, 1986 e ss) conduz, em qualquer caso, à despolitização do real” (em Coelho e Castro, 2006:38).

Para Marques, as bases do espetáculo dentro do jornalismo estão nos alicerces da indústria cultural. O jornalismo de massa estaria, então, em conluio com essa indústria, servindo como um propulsor da mesma: “A atividade jornalística da grande imprensa (...) pertence à esfera da indústria cultural, segundo a conceituação de Theodor Adorno e Max Horkheimer (1985). Desde o modo como produzem as notícias até o conteúdo do discurso jornalístico, esses grandes jornais e revistas passam a ser importantes difusores ideológicos” (em Coelho e Castro, 2006:34). A questão é como a produção e a construção do discurso jornalístico faz isso. Baseado nas teorias frankfurtianas e no pensamento de Marx, Marques nos dá algumas pistas, tais como a criação de manuais de redação, o manual da “lavagem cerebral” que padroniza o discurso jornalístico à linha diretriz dos donos dos veículos de mídia e os seus interesses comerciais, e o uso de pesquisas que direcionam a produção de notícias de acordo com o gosto do público, além de outros recursos, tais como o controle da produção jornalística da mesma forma como são os controles na produção de qualquer mercadoria, é a “notícia enlatada”:

(...) a centralização da produção das notícias pelas agências nacionais e internacionais; padronização do discurso jornalístico com manuais de redação e estilo; a reestruturação dos projetos editoriais; sistemas internos de controle individual da produção de matérias; racionalização (...) sobre o processo produtivo (...) e as informações dos institutos de pesquisa (em Coelho e Castro, 2006:36).

A lógica do “jornalismo-survey” também aponta para outro aspecto que pertence à lógica maior do infotenimento, o jornalismo de prestação de serviço que, segundo Marques, “(...) com o qual o jornal busca criar ou atender interesses ou necessidades de consumo no publico-leitor, quando a informação política, por exemplo, já não tem o mesmo valor (...) como teve em outros tempos” (em Coelho e Castro, 2006:37). A noção comercial por trás dessa lógica nos diz que, apesar de atender ao interesse do público, também atende a manutenção da imagem da entidade jornalística perante esse público, como uma guardiã do cidadão, além de ser um meio de mantê-lo preso ao veículo. Esta lógica pode ser apontada, inclusive, como detentora do mesmo propósito que tinham os folhetins no passado, com o objetivo de “novelizar” a notícia e prender o leitor ao veículo.

Karl Marx denuncia a alienação no trabalho, Guy Debord revela a alienação no espetáculo, já dentro do jornalismo a alienação se revela, segundo Marques, da seguinte forma: “Os grandes veículos de comunicação preferem, na maioria das vezes, utilizar um jargão jornalístico formado por uma conceituação funcional ou operacional, desvalorizando o pensamento não funcional ou crítico” (Coelho e Castro: 2006, 44). Em outras palavras, o jargão jornalístico que predomina no mainstream media é informativo, desvalorizando o jornalismo de opinião, como já colocamos. Esse tipo de linguagem, mesmo que possa transparecer neutra, pode ser utilizada como “clichês ou preconceitos, repetindo-os até se tornarem verdade” (em Coelho e Castro, 2006:44), de forma que pode ser utilizada para “induzir mentes” como no próprio jornalismo de tribuna[66], porém de forma maquiada, mascarada de neutralidade. Essa é também uma questão que concerne à ética do jornalismo, como vimos em citação do professor de ética Álvaro Valls.

 Esse é um assunto que precisa de atenção no debate das questões que envolvem o jornalismo dentro do seu importante papel na sociedade atual. O que comentamos, refere-se à alienação do discurso jornalístico. Quanto à produção do trabalho jornalístico, essa segue a mesma lógica da alienação do trabalho de Marx. Assim, segundo Marques: “(...) na grande imprensa também há (...) o fenômeno do afastamento do trabalhador do domínio do seu processo de trabalho, dificultando ao jornalista o exercício de sua consciência crítica e da autonomia para exercer sua atividade” (em Coelho e Castro, 2006:56). Essa é outra questão que além de estar dentro da lógica da alienação do espetáculo de Debord, concerne à ética jornalística, sendo a autonomia, um desses padrões éticos comprometidos dentro dessa lógica atual e que assim colaboram para alienação maior do espetáculo.

Marques também apresenta suas reflexões sobre as teorias de Debord, na clássica citação do autor definindo a Sociedade do Espetáculo – o primeiro parágrafo de sua obra que também citamos logo no início deste tópico. Relacionando-a com o jornalismo, ele a interpreta da seguinte maneira: “Como uma forma de representação do mundo e de seus fatos, a imprensa pode se aproximar mais das verdades que explicam o funcionamento das sociedades modernas ou se afastar através de uma representação ideológica da realidade” (em Coelho e Castro, 2006:52). Pelo que vimos até aqui, a grande imprensa parece ter se afastado da realidade numa representação ideológica que serve de pano de fundo para a indústria cultural, indústria esta que nos parece ser o carro-chefe na condução do espetáculo. Isso fica claro na passagem onde Marques comenta o pensamento de Debord sobre a imprensa, “(...) deixa de aprofundar os assuntos estratégicos que podem demonstrar contradições essenciais entre as forças fundamentais que compõem as sociedades capitalistas, ou seja, o capital e o trabalho” (em Coelho e Castro, 2006:54), em outras palavras, ela se afasta da realidade dos assuntos estratégicos e fundamentais das sociedades, e mergulha no mundo hiperreal do mass media e da indústria cultural.

Por fim, Marques faz uma afirmação que põe em cheque o papel da imprensa na sociedade atual, relacionando-a com a questão da Indústria Cultural e da Sociedade do Espetáculo de Debord:

A imprensa acaba se constituindo num significativo meio de reprodução de discursos ideológicos, que tentam explicar o que não pode mais ser visualizado e vivido como experiência direta por grande parte dos cidadãos (...) Essa forma de divulgação ideológica (...) procura legitimar e transportar, para a sociedade como um todo, as preocupações específicas de setores dominantes da sociedade (em Coelho e Castro, 2006:53).

Em outras palavras, a imprensa é também uma ferramenta ideológica de dominação que, entre outros interesses, atende aos ideais de um desses setores dominantes da sociedade que é a indústria cultural, onde temos, como conta Marques, os grandes conglomerados de mídia, “(...) estamos vivendo uma época de hegemonia dos grandes conglomerados de comunicação” (em Coelho e Castro, 2006:52), que divulgam e legitimam as suas idéias, que veiculam o espetáculo também através do jornalismo. Na matéria do Observatório da Imprensa que mencionamos ao nos referirmos ao termo infotenimento, o jornalista Luciano Martins Costa comenta sobre a relação dos conglomerados de mídia e a questão do espetáculo que permeia o jornalismo: “Os grandes conglomerados de mídia, que nos últimos dez anos se revelaram autênticos predadores, engolindo redes inteiras de jornais, cadeias de rádio e TV, portais e tudo que parecia apetecível ao capital, estão se defrontando com a dura realidade”, e complementa:

Nesse rumo, o capital se desinteressa daquilo que costumamos chamar de jornalismo. Já é muito claro que os grandes conglomerados praticam com mais gosto aquilo que em inglês se chama infotainment – a mistura de informação e entretenimento que usa jargões do jornalismo para se revestir de certa seriedade. Em escalas variáveis, encaixam-se nesse padrão o Programa do Jô, o Programa do Ratinho, a revista Veja, os programas de “debates” sobre futebol, as publicações voltadas para o consumo de luxo. Sem a presença das tradicionais famílias, que aos poucos perdem espaço nesse ambiente, e com as gigantes do setor se desinteressando do jornalismo de qualidade, onde ele irá acontecer? (http://observatorio.ultimosegundo.ig.com.br/artigos.asp?cod=373SAI001, 12/01/2007).

Para quem pensar no fenômeno dos blogs, na blogosfera, o jornalista adverte: “Os blogs, salvo algumas exceções, ainda são território para autolustração de egos mais ou menos bem equipados de conteúdo”. De forma que a pergunta colocada na citação acima ainda é uma questão que merece a nossa atenção, concerne ao jornalismo e às novas mídias como partes da Sociedade do Espetáculo. De qualquer modo, a plataforma aberta da web nos indica um caminho viável para a prática de todas as formas de jornalismo, incluindo aquele tido como de qualidade.

Em artigo que analisa a questão da informação-mercadoria do jornalismo e as novas formas de trocas culturais na sociedade globalizada[67], o jornalista e mestre em Integração da América Latina Carlos Sandano (USP ) ressalta dois problemas que afetam o jornalismo atual, da notícia-mercadoria e do infotenimento, e os liga ao espetáculo, quando afirma que: “(...) ressalta-se não apenas a queda do muro que separava (idealmente) publicidade e jornalismo, mas também da barreira que separa(va) a mídia dita séria do sensacionalismo” (em Coelho e Castro,  2006:63). Essa também é uma preocupação do professor de ética jornalística Caio Túlio Costa, que a estende ao contexto das novas mídias e, segundo as reflexões do professor, se agravam dentro da Internet: “Há em muitas delas a enunciada ‘muralha’ destinada a separar os departamentos editoriais dos comerciais. Esta separação – enunciada normativamente em muitas empresas – tende a se relativizar nas novas empresas multimídias” (Costa, 2008:338). Assim, além de conectar o jornalismo com as questões da publicidade que alicerçam a Sociedade do Espetáculo, Carlos Sandano revela outra palavra-chave ligada ao jornalismo dentro dessa sociedade, o sensacionalismo.

Sobre o sensacionalismo, o estudioso de Filosofia e mestre em Comunicação  Jaime Carlos Patias (Faculdade Cásper Líbero), no artigo que analista o espetáculo no telejornal sensacionalista[68], diz o seguinte: “Além disso, pelo estilo e forma como os programas são apresentados, eles se inserem no contexto da sociedade do espetáculo descrita por Debord, onde o sensacionalismo sugere que informa enquanto faz espetáculo” (em Coelho e Castro, 2006:103). Assim, mais essa faceta do jornalismo, o sensacionalismo, é outro mecanismo de alienação do espetáculo, como Debord nos revelou. A quebra do “muro” que separava o jornalismo da publicidade se dá em função dos interesses ideológicos, como já identificávamos e, agora, nos confirma Patias, da indústria cultural: “Na indústria cultural, publicidade e noticiário estão fundidos, intensificando-se a fusão entre aquilo que é noticiado e os bens de consumo apresentados nas publicidades e mesmo inseridos nas matérias que financiam o telejornal” (em Coelho e Castro, 2006:96). Como já enfatizamos, por trás dessa indústria cultural estão os conglomerados de mídia que vão acabar por influir na pauta jornalística, priorizando o espetáculo, um fato também destacado por Sandano: “As sinergias dos conglomerados de mídia comprometem a independência da produção, e a concorrência no campo jornalístico (...) altera suas práticas em nome de uma eficiência técnica e econômica, espetacularizando a notícia” (em Coelho e Castro, 2006:67). Essa alteração de práticas, para Sandano, são mecanismos vetores do espetáculo, da alienação e da serviência aos interesses da indústria cultural, utilizados para fins de manipulação ideológica: “(...) assistimos hoje (...) uma simbiose de processos técnicos e diluição das fronteiras entre publicidade e o jornalismo, assim como a manipulação (consciente ou inconsciente) da informação” (em Coelho e Castro, 2006:67). Assim seria então o jornalismo de massa atual: alinhado aos interesses da indústria cultural, alienador e manipulador. Realmente é preciso se repensar o papel do jornalismo como um todo dentro da sociedade contemporânea e mais, com o surgimento de uma nova esfera comunicacional através da web, até onde ela poderia influenciar neste cenário, seja positivamente ou negativamente?

Enfim, Sandano atribui todo esse cenário a uma crise geral da instituição Jornalismo:

É uma crise econômica: o jornalismo perde leitores para a Internet e outras forma de ‘entretenimento’. É uma crise de identidade: a tendência dos grandes grupos de comunicação em transformar tudo em espetáculo descaracteriza o conteúdo jornalístico. É uma crise profissional: assiste-se à diluição das fronteiras entre a publicidade e o jornalismo, assim como à manipulação (...) da informação (em Coelho e Castro, 2006:66).

Dentro dessa lógica, Sandano aponta uma única alternativa para “afrontar a idéia de informação como mercadoria”, que seria “respeitando a diversidade e a complexidade de um planeta globalizado que se constitui com base em condições assimétricas e cuja perversidade não pode ser enfrentada sem que haja um direito de informação e comunicação livre” (em Coelho e Castro, 2006:77). Em relação à definição de Sociedade do Espetáculo de Debord, poderíamos dizer que a alternativa seria o direito ao acesso a informações que não se afastem do mundo real em uma encenação.

Para finalizar esta reflexão, destacamos uma afirmação de Jaime Patias que nos mostra como os conglomerados de mídia trabalham seus veículos em prol da espetacularização da sociedade, fundindo todas áreas comunicacionais, o jornalismo e a publicidade (a lógica do infotenimento), além de outros, como as relações públicas, a editoração eletrônica e cada um dos meios disponíveis em massa nos dias atuais, o rádio, a televisão, o cinema, a Internet etc., tudo isso à luz do conceito de Sociedade do Espetáculo de Debord que trabalhamos até aqui. Em outras palavras, Patias seleciona varias “farinhas” do espetáculo e as põe todas “no mesmo saco”:

Desde que a sociedade do espetáculo foi definida por Debord, a cultura do espetáculo se expandiu em todas as áreas da vida. Surgiu a economia do espetáculo numa fusão entre negócios e diversão, onde o entretenimento se torna rapidamente um dos principais aspectos geradores dos negócios. Por meio da ‘entretenimização’ da economia, as corporações e empresas fazem circular na TV, nos filmes, na Internet, nos videogames, nos cassinos, nos esportes etc.., suas imagens e marcas para que os negócios e a publicidade se combinem, tudo sob a forma de espetáculo. Eis o paradigma da atualidade: a transformação da própria vida em uma forma de entretenimento. (Coelho e Castro, 2006:92-93).

Assim, estaríamos, como nos diria Frederick Jameson (1996:268-284), vivendo na “sociedade do prazer”, que seria algo muito próximo disso mesmo: a própria vida transformada em entretenimento, e pior, num entretenimento condicionado ao consumo, confirmando assim as palavras de Debord, “uma evidente degradação do ser em ter (...) do ter em parecer” (Debord, 2003:15). Dentro dessa perspectiva, se no decorrer do século XX o jornalismo evoluiu ao pano de fundo da indústria cultural, hoje ele se recria a partir da realidade afastada que ajudou a criar dentro da Sociedade do Espetáculo.

A Galáxia do Espetáculo

Muitos, como já comentamos, podem apontar para as novas mídias, onde se destaca a Internet, como uma nova estrada que possui caminhos alternativos ao espetáculo associado ao mainstream media, embora ainda haja muitas objeções sobre essa alternativa. Carlos Sandano ainda tece algumas observações sobre a nova sociedade em rede, onde o livre acesso à informação estaria colocando em risco a lógica do infotenimento, a informação-mercadoria estaria assim diante de um novo concorrente de potencial ameaçador, com capacidade de remar contra a maré da alienação dessa lógica instituída. Assim, ele diz que “(...) uma observação crítica implica a capacidade de abarcar idéias contraditórias em todo complexo. Isso é algo que o formato industrial da transmissão de informação não permite, mas pode potencialmente ser encontrado na navegação não determinada e aberta e na interação que esse novo meio permite” (em Coelho e Castro, 2006, 73:74). Embora para Sandano os novos meios ainda tenham algumas limitações, o seu formato, entretanto, traz consigo um fator que sai da lógica contemporânea intrínseca do espetáculo, a quebra do monopólio da narrativa, algo importante quando buscamos um “ponto de partida para a observação crítica da realidade” (em Coelho e Castro, 2006:74), como afirma nas palavras: “Evidentemente que estamos ainda limitados às possibilidades críticas que um navegador/leitor empiricamente determinado é capaz de fazer. Mas já temos aqui uma reformulação de um aspecto importante da lógica jornalística: a quebra do monopólio da narratividade contemporânea” (em Coelho e Castro, 2006:74). Com a quebra desse “monopólio”, Sandano aponta algumas vantagens que o leitor/usuário da Internet vai encontrar em alternativa ao jornalismo espetacular do mass media, “(...) hoje ele pode encontrar outros discursos no universo digital” e, acrescenta, “(...) também saber dos fatos por meio de blogs não-jornalísticos ou acessando o site de um grupo midiático que possui outra Weltanschauung” (em Coelho e Castro, 2006:74). Assim como Sandano, são diversos os filósofos e estudiosos que enxergam na estrutura comunicacional das novas redes computacionais um caminho mais aberto à informação do que aquele construído pela mídia tradicional, dentre os quais Manuel Castells.

Castells afirma que a própria mídia (a velha mídia), ao se deparar com a Internet, traça uma série de boatos e mentiras sobre o novo meio, que o autor passa a desmistificar no decorrer de sua obra, mas através dessas críticas infundadas da mídia, ele fala sobre um fato que já nos é familiar pelo que estudamos até aqui, a questão do sensacionalismo do jornalismo atual: “A mídia (...) carecendo da capacidade autônoma de avaliar tendências técnicas sociais com rigor oscila entre noticiar o espantoso futuro que se oferece a seguir o princípio básico do jornalismo: só notícia ruim é notícia” (Castells, 2003:9). Mas quando Castells denuncia essa característica espetacular do jornalismo numa menção crítica à Internet, ele, implicitamente, a aponta como um novo caminho, caminho esse que pode ser, assim, oposto ao espetacular.

Em tópico que analisa a questão da democracia e da política informacional na Internet, Castells faz colocações que nos dizem se existe esse caminho alternativo ao mass media pela web, e faz uma importante ressalva: “A Internet não pode fornecer um conserto tecnológico para a crise da democracia” (Castells, 2003:129). Mas, em seguida, faz uma explanação que nos mostra algumas das iniciativas que só são possíveis pela grande rede e que afetam o modelo vigente de comunicação, inclusive o jornalismo:

A Internet fornece, em princípio, um canal de comunicação horizontal, não controlado e relativamente barato, tanto de um-para-um, quanto de um-para-muitos (...) Há, contudo, um uso crescente da Internet por jornalistas rebeldes, ativistas políticos e pessoas de todo tipo como um canal para difundir informação e rumores políticos (...) há também casos de informação política relevante difundida através da Internet que não teria podido ter sido tão ampla, nem tão rápida, se tivesse circulado através da mídia convencional (Castells, 2003:129-130).

Se fôssemos fazer uma quantificação numérica de exemplos e iniciativas ligadas ao jornalismo que aparecem a cada dia na Internet, e que – da mesma forma como Castells, sempre fazendo ressalvas em relação à potencialidade da web –, estão construindo uma nova esfera no mundo da informação, este estudo não mais findaria. Um exemplo relevante, porém, podemos citar para ilustrar algumas coisas que já fazem parte desse novo contexto: a blogosfera, ou seja, o conjunto de blogs atuantes, sejam ou não de jornalistas, mas que consegue veicular “informação política relevante”, chamando a atenção do público para fatos que não encontram espaço nos mass media, ou até mesmo quando não existe interesse dentro dos mass  media em dar espaço para certos fatos e informações. Apesar de ainda não se saber se, como os próprios blogs, as novas iniciativas interativas da Internet irão se efetivar como um contrapoder ao que está instituído, já podemos entender que algumas novidades surgiram com a web como sendo parte e tendo peso na atuação dentro do contexto geral maior da mídia. Castells também adverte que esse novo espaço, além de servir para dar vazão a informações relevantes que não são veiculadas na grande mídia, serve para a boataria: “A fronteira entre o mexerico, fantasia e informação política valiosa fica cada mais difusa, complicando assim ainda mais o uso da informação” (Castells, 2003:130). De certa forma, quando as barreiras da comunicação são quebradas, possibilitando essas novas peculiaridades conectivas da grande rede, elas também favorecem a diluição de outras fronteiras, como citou Castells, entre fantasia e informação, e entre publicidade e jornalismo, como vimos. Assim, se existia um mundo que se afastava da realidade nos veículos embordeirados nos limites de suas próprias fronteiras totalitárias, no mundo virtual sem fronteiras e limites[69], ele também pode alcançar horizontes nunca dantes imaginados, de forma que a Galáxia da Internet também é a Galáxia do Espetáculo.

Castells traz dois dados relevantes que mostram que, de fato, a Internet está se tornando um meio alternativo de mídia: “(...) os jovens norte-americanos estão vendo menos televisão (...) Essa tendência foi atribuída em parte a um maior tempo dedicado pelos jovens para surfar na Internet (The Economist, 2001, p. 60)[70]” (Castells, 2003:157). Porém, embora tal dado demonstre que de fato o público jovem tenha mais disposição de estar na Internet do que assistindo TV, não sabemos exatamente o que ele tem procurado na Internet, e nem se o faz em alternativa ao que os mass media lhe oferecem, ou mesmo, se busca outro tipo de conteúdo específico da grande rede[71]. Um outro dado que Castells traz à tona demonstra uma característica típica desse público jovem, que cresceu habituado a não precisar tirar a carteira do bolso para pegar uma folha de papel com informações, que não tem o costume de pagar por informações: “Um terço dos americanos lê notícias on-line pelo menos uma vez por semana. Não se dispõem, contudo, a pagar por isso. O único jornal com um serviço bem-sucedido de assinaturas pagas on-line é o Wall Street Journal” (Castells: 2003, 162-163). Dessa forma, os tradicionais jornais impressos têm na Internet um forte concorrente capaz de quebrar o velho modelo do jornal pago pelo leitor na banca[72].

O fato de o jornalismo estar sofrendo os maiores impactos com o crescimento da Internet, vai desde a produção da notícia, que se reestrutura em função da nova mídia: “As salas da redação em toda a mídia estão sendo reequipadas em torno da Internet. Trabalham num fluxo contínuo de processamento da informação, no tempo da Internet, segundo modelo adotado pioneiramente pelo The Chicago Tribune/Los Angeles Times em 2000” (Castells, 2003:157), até o impacto através de sua forte ligação com a Internet, “(...) a Internet mantinha-se separada da televisão e (...) separada da maior parte do mundo da mídia – com exceção talvez do noticiário” (Castells, 2003:158), que acrescenta: “E a relação com o mundo da mídia é limitada à leitura de jornais diários” (Castells, 2003:159). A presença da informação na Internet é um fato incontestável, em um volume muito maior que a totalidade dos jornais impressos poderia absorver (e outros veículos jornalísticos também). Embora a Internet não tenha ainda capacidade técnica para transmitir imagem em tempo real com a mesma qualidade da TV, ela já tem capacidade de transmitir informação na forma de texto e imagens estáticas, ou até em pequenos vídeos e animações, capaz de suprir as necessidades, ao menos informativa, de seus usuários.

Pensando-se na capacidade da Internet em trabalhar apenas com texto e fotos, somada à abundância da informação, podemos entender por que os jornais impressos (que trabalham com texto e imagens estáticas apenas) são os primeiros a sofrer com a introdução da Internet. A Internet já permite iniciativas relativas ao jornalismo na rede que ainda não estão disponíveis para o mundo da imagem, como a TV e o cinema. Somente o jornalismo pode ser feito com qualidade e em tempo-real através da Internet, a TV e o cinema ainda não (trabalham mais on demand). Porém, Castells nos fala de um trunfo que as velhas empresas jornalísticas ainda têm: “Os jornais não estão sendo solapados pela Internet porque, num mundo de informação infinita, a credibilidade é um ingrediente essencial para os que a buscam” (Castells, 2003:163). Essa passagem também demonstra que, mesmo a Internet sendo uma concorrente ao seu modelo de negócio, a presença dessas empresas jornalísticas na web é uma maneira ainda de manter o seu leitor preso a elas, de cercá-lo pela nova mídia (como vimos em passagem anterior onde Castells afirma que os jornais na web objetivam manter o leitor/usuário sob o mantra de sua autoridade dentro do novo espaço midiático digital que, aliás, é uma continuação da frase citada acima). Como nem tudo são pétalas, Castells traz à luz aquele que talvez seja o único trunfo que essas empresas têm para sobreviver no novo ambiente, a credibilidade, algo que, embora a Internet possibilite a entrada de novos atores no mundo da notícia e novas fórmulas de práticas comunicacionais, é difícil de se conquistar e manter – no entanto, fácil de perder –, é uma carta na manga que os velhos jornais têm para sobreviver em meio a esses novos concorrentes do mundo virtual.

Por fim, Castells atribui a toda essa reformulação que a Internet está causando nas demais mídias[73], em especial no jornalismo, em função da sinergia dos grandes conglomerados de mídia que estão mudando os negócios do mundo da mídia, embora ainda busquem na Internet um meio de ganhar dinheiro sem a estrutura totalitária que construíram até a chegada do novo meio: “Essa profunda reestruturação está associada a fusões e consolidações entre grandes companhias, de modo que sete megagrupos de multimídia controlam a maior parte da mídia global, e em cada país um pequeno número de corporações (...) determina o que é publicado e transmitido” (Castells, 2003:157). Como vimos, esses grandes conglomerados compõem a indústria cultural, responsável pela criação do hiperrealismo da mídia e da transformação da notícia em mercadoria, do jornalismo em instrumento ideológico que serve para movimentar a indústria do espetáculo. Resta-nos saber como essa sinergia absorverá o novo mundo multimídia da Internet, e como isso afetará ou não, reforçará ou não, os pilares da atual “Sociedade do Espetáculo” em que hoje estamos inseridos.

A Sinergia da Mídia

Como vimos anteriormente, alguns estudiosos da Comunicação colocam por trás da crise ética do jornalismo na atualidade, que passa pela questão da análise da Sociedade do Espetáculo, a pressão cada vez maior que as empresas jornalísticas têm em responder aos ganhos lucrativos. Essa situação se agrava dentro do cenário atual onde grandes corporações de mídia e outras advindas de outros setores (teles e tecnologia), passam a atuar no mundo da informação, o que chamamos de sinergia midiática ou sinergia da mídia. Vimos também que a sinergia pode ser entendida como uma convergência de diversos setores da própria mídia para um único setor, para a mesma cadeia produtiva, tendo como plataforma comum a tecnologia digital e as redes de comunicação, daí a seqüência de fusões e a proximidade cada vez maior entre corporações desses três setores: o setor da mídia, que passa a produzir ou reproduzir todo seu conteúdo também de forma binária; da tecnologia, que cria hardware e software que serve de plataforma para esse mundo de informação binária; e das teles, responsável por toda infraestrutura de comunicação que inclui telecomunicações, satélites e redes digitais entre outras, que interliga todo esse mundo binário.

Mas afinal, por que isso ocorre? Para respondermos a essa questão, precisamos entender o que vem a ser o conceito de sinergia. Quem explica de forma clara esse conceito é o estudioso e pesquisador de mídia e política Venício Lima (Universidade de Brasília):

Esse inédito processo de oligopolização e emergência de novos e poderosos global players no cenário econômico e político mundial tem sido explicado pelos executivos (CEOs) do setor como correspondendo ao processo biológico da sinergia. Argumentam eles que, considerado o nível elevado dos investimentos necessários, a integração horizontal, vertical e cruzada da indústria de comunicações, isto é, a ação coordenada de várias empresas no mesmo grupo, torna-se inevitável e é mais eficiente do que a de empresas isoladas (Lima, 2004:92).

O conceito de sinergia associado à busca da eficácia dentro das Comunicações[74], expressa pela convergência de grandes empresas para o mundo da informação binária pode ser associada à Internet como o novo meio comunicacional evoluído, para onde os outros setores, tanto da mídia, quanto da infraestrutura de comunicação e da tecnologia, acabam convergindo. Ora, se a Internet e a comunicação binária representam de fato a evolução dos meios como vimos na colocação de Costella[75], essa sinergia que se forma em torno do bit, como bem colocou Túlio Costa, também aponta para o mesmo sentido, ou seja, a evolução dos meios, deixando-se de lado, é claro, as implicações que advém da formação desses imensos oligopólios que, como vimos, acabam sobrepujando a ética jornalística. Sem entrar num estudo à parte sobre a evolução tecnológica advinda do mar informacional da Internet, é evidente que a própria eficácia dos meios comunicacionais hoje em dia, inclusive na parte gerencial dos negócios do mundo das Comunicações, passa pela inteligência conectiva da própria Internet. Nada mais natural, então, que o rumo a esta eficácia seja o rumo a binário-eletronização total dos meios.

Beth Saad apóia-se em diversos estudos para relacionar o conceito de sinergia com as estratégias que os grupos de mídia devem adotar, ou estão adotando, para inserir-se dentro do novo contexto midiático. Além de entender a sinergia como um movimento rumo à eficácia empresarial, ela afirma que “tal sinergia é fator essencial para a transformação dos velhos jornais, por exemplo, numa empresa pós-jornalística, com estrutura não mais baseada em meios, mas, sim, em mercados informativos”[76]. Esse posicionamento embasa a estratégia de vários grupos midiáticos numa forma de ampliar seus públicos tendo como base, também, a nova plataforma digital, somando-se novos públicos aos antigos dentro do mercado informacional[77].

Sinergia Brasileira

Uma vez explicado o conceito de sinergia, Venício Lima passa a descrever o cenário nacional dentro deste movimento. Primeiro ele nos fala a respeito da relação entre os conglomerados mundiais com as empresas brasileiras: “Estudiosos do setor (...) já constataram que o mercado global de mídia é hoje controlado, num primeiro nível, por cerca de dez enormes conglomerados, num segundo nível, por outras 40 empresas, direta e indiretamente associadas às primeiras” (Lima, 2004:92). Os braços desses grupos internacionais se estendem ao Brasil através desse segundo nível de associações mencionadas por Lima, como, por exemplo, citam os jornalistas e estudiosos da mídia Antonio Biondi e Cristina Charão em artigo em que analisam a situação dos grupos brasileiros de mídia[78], a associação entre Sky do grupo de Rupert Murdoch (News Corp) e a DirecTV da família Marinho (Organizações Globo) no ramo da TV a cabo. Quem dá a conta final do número total e atual de corporações globais de mídia é Caio Túlio Costa, que expõe: “(...) nos anos 80 existiam cerca de 50 empresas globais de comunicação. Essa quantia caiu para 27 no começo dos anos 90 e reduziu-se a apenas sete no começo do século XXI. Com a emergência da Google, a conta fechou em oito[79] empresas globais de comunicação” (Costa, 2008:332).

No Brasil, segundo a mesma matéria de Biondi e Charão, são oito os grandes grupos comunicacionais: Bandeirantes, Globo, Sílvio Santos, Abril, Record, RBS, Estado e Folha, sendo que a configuração do capital estrangeiro pode ser vista explicitamente em pelo menos cinco desses grupos (Globo, Sílvio Santos, Abril, Folha e Bandeirantes), através de diversas participações em variados setores. Existem, ainda, parcerias inúmeras entre os variados negócios dentre esses grupos, o que demonstra que o seu conjunto forma um grande oligopólio. Em outras palavras, temos oito grandes grupos nacionais de mídia, nos quais se observa a participação societária de empresas de tecnologia e de telecomunicações internacionais, que é por onde os braços dos grandes conglomerados de mídia internacionais se estendem ao nosso país. Vale lembrar que essa análise e esses dados referem-se à composição do capital das empresas, e não engloba as parcerias comerciais (que são incontáveis).

Uma das conseqüências dessa concentração de empresas está nas implicações éticas, como ressaltamos. A matéria de Biondi e Charão exemplifica isso através da própria pesquisa que fizeram ao elaborá-la, e expõem: “A edição 2007 de ‘Valor Grandes Grupos’, anuário do jornal Valor Econômico, lista os grupos Sílvio Santos (...), Abril (...), RBS (...) e Estado (...). Outros dois gigantes, Organizações Globo e Grupo Folha – exatamente os que partilham a propriedade de Valor Econômico – não são citados no anuário” (Biondi e Charão, janeiro de 2008:7). Ou seja, isso mostra como esses conglomerados pautam a seu favor as informações dos veículos que detêm, colocando os seus próprios interesses acima da função informativa e da ética jornalística, criando barreiras e manipulando informações segundo seus próprios interesses. Com essa simples análise, algo já se pode afirmar com os dados até aqui expostos: a sinergia mundial da mídia já é um fato que também toma forma no território brasileiro.

 


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