Dissertação de Mestrado - Faculdade Cásper Líbero
INTERNET, JORNALISMO E WEBLOG: A NOVA MENSAGEM

Estudos Contemporâneos de Novas Tendências Comunicacionais Digitais

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AUTOR - CONTATO

BIBLIOGRAFIA

ANEXOS

GLOSSÁRIO


2. A Internet e a Esfera Pública


By freedom shall he imprison many” – Talking in the Devil[17]

Antes de analisarmos quais são os novos impactos da Internet sobre a esfera pública, precisamos entender melhor o que vem a ser uma esfera pública. Para tal, buscamos a definição da mesma através dos estudos do alemão Jürgen Habermas em sua clássica obra, Mudança estrutural na esfera pública, uma das maiores referências sobre o tema. Para definir o que vem a ser uma esfera pública, em primeiro lugar, Habermas faz algumas definições dos principais termos ligados ao assunto, onde temos: público, publicar, publicidade, opinião pública e esfera pública[18]. Habermas então, antes de chegar na esfera pública, busca a definição do que vem a ser “público”, e coloca: “Chamamos de ‘públicos’ certos eventos quando eles, em contraposição às sociedades, são acessíveis a qualquer um – assim como falamos de locais públicos ou de casas públicas” (Habermas, 1984:14). Em suma, quando nos referimos a qualquer termo como ele sendo público, significa que tal termo, que pode ser uma praça, um estádio, ou um jornal, é acessível a todos (mesmo que mediante o pagamento de algum valor, como a compra de um ingresso para assistir a uma partida de futebol, por exemplo).

Uma vez esclarecido o que vem a ser público, Habermas passa a trabalhar o conceito de opinião pública e outros termos. Embora opinião pública e esfera pública tenham significados distintos, os dois possuem uma relação direta, como explica Habermas: “(...) no sentido de opinião pública, de uma esfera pública revoltada, ou bem informada, significados estes correlatos a público, publicidade, publicar. O sujeito dessa esfera pública é o público enquanto portador da opinião pública” (Habermas, 1984:14). Fica claro que opinião pública vem a ser a opinião das pessoas que compõem uma esfera pública, pessoas que são, portanto, o público. Os termos publicidade e publicar referem-se ao “caráter público” (Habermas, 1984:14) de algo, do espaço público inclusive – algo público é algo dotado de publicidade[19] – e, verbalmente (publicar), é tornar algo público. Em comum, todos os termos têm o caráter de se referirem ao primeiro termo acima colocado, o público. 

Depois que define os termos, Habermas, por fim, trabalha em cima do conceito de esfera pública:

A própria “esfera pública” se apresenta como uma esfera: o âmbito do que é setor público contrapõe-se ao privado. Muitas vezes ele aparece simplesmente como a esfera da opinião pública que se contrapõe ao poder público. Conforme o caso, incluem-se entre os órgãos estatais ou então os mídias que, como a imprensa, servem para que o público se comunique (Habermas, 1984:14).

Vimos até aqui que Habermas coloca duas funções fundamentais, relacionadas aos termos de esfera pública e opinião pública: a necessidade de termos um público informado, e a função da imprensa em serviência à comunicação pública. A importância da imprensa na construção da opinião pública dentro do espaço público é um fato relevante neste estudo e, também, um objeto de grande destaque dentro dos estudos de Habermas, no que ele denomina como esfera pública. Habermas também coloca a importância da esfera pública na construção de uma crítica ao poder, outro fator de suma importância em seus estudos.

As primeiras esferas públicas mencionadas por Habermas em seus estudos surgiram na Grécia Antiga e no Império Romano, porém com características distintas das esferas públicas modernas mediatizadas pela mídia, no caso a imprensa, que surgiram a partir da emergência dos Estados modernos e da sociedade burguesa. As próprias características dessas esferas públicas antigas contrapõem o conceito de públicas, pois não eram de alcance de todos os cidadãos dessas sociedades e, sendo assim, nos permitem um “salto na história”, levando-nos diretamente à Idade Moderna. A importância da esfera pública dentro de um Estado moderno é o que nos coloca Habermas: “(...) a esfera pública (...) passam a ter novamente uma efetiva aplicação processual jurídica com o surgimento do Estado moderno e com aquela esfera da sociedade civil separada dele: servem para a evidência política” (Habermas, 1984:17).

Mais uma vez, o alemão ressalta a importância da esfera pública na discussão política, evidenciando a importância dessa sua peculiar característica. Outra característica do Estado moderno relacionada com a esfera pública da emergente sociedade burguesa é o capitalismo:

(...) para fazer aflorar a esfera da “boa sociedade”, tão singularmente suspensa ao longo do século XVIII, mas nitidamente destacada depois dos Estados nacionais e territoriais, à base da economia do capitalismo comercial, terem aparecido após destruírem os fundamentos do poder feudal. A última configuração da representatividade pública, ao mesmo tempo reunida e tornada mais nítida na corte dos monarcas, já é uma espécie de reservado, em meio a uma sociedade que ia se separando do Estado. Só então é que, num sentido especificamente moderno, separam-se esfera pública e esfera privada (Habermas, 1984:23).

O Estado moderno surge a partir da necessidade capitalista de regulamentação do mercado. O mercado capitalista separa o púbico do poder, mesmo que o poder servisse para mediar os interesses de instituições capitalistas, com isso surge uma nova “casta” social que se amolda em torno desse mercado capitalista, a sociedade burguesa. É nesse momento que temos nitidamente uma esfera pública separada de uma esfera privada.

Habermas destaca iniciativas anteriores à imprensa, o uso do correio e das cartas privadas, como uma necessidade da nova sociedade comercial capitalista em receber informações comerciais. Essa troca de informações vai ganhando novas dimensões informativas que cumpriam os papéis típicos da imprensa, porém não poderiam se caracterizar como públicas por se tratarem de mensagens privadas, característica fundamental que condiciona a mídia como fator construtor da esfera pública. Assim, o germânico destaca a importância da imprensa na construção do espaço público a partir do momento em que ela se torna acessível ao público: “(...) só existe uma imprensa em sentido estrito a partir do momento em que a transmissão de informações regularmente torna-se pública, ou seja, torna-se por sua vez acessível ao público em geral” (Habermas, 1984:30).

Esta emergente burguesia que surgia, composta de capitalistas e prestadores de serviços, veio a compor o público, elemento primordial sem o qual não existe a esfera pública. A partir de divergências entre o Estado e esse público, deflagra-se um antagonismo entre esses dois setores da sociedade, como narra Habermas:

As autoridades provocam uma tal repercussão nessa camada atingida e apelada pela política mercantilista que o publicum, o correlato abstrato do poder público, acaba por revelar-se conscientemente como um antagonista, como o público da esfera pública burguesa que então nascia (Habermas, 1984:38).

O público burguês entra em atrito com o poder em função de questões políticas mercantilistas, e assim passa a desenvolver uma consciência crítica em relação às políticas deste poder, como evidencia Habermas:

(...) em função das intervenções públicas na economia doméstica privatizada é que se constitui, finalmente, uma esfera crítica (...) a referida zona de contato administrativo contínuo torna-se uma zona “crítica” também no sentido de que exige a crítica de um público pensante. O público pode aceitar esta exigência tanto mais porque precisa apenas trocar a função do instrumento com cuja ajuda a administração já tinha tornado a sociedade uma coisa pública em sentido estrito: a imprensa (Habermas, 1984:39).

Nessa construção do pensamento crítico burguês, Habermas mostra que um fator primordial está em cena, a imprensa. A imprensa então, é o elemento fundamental que transforma a consciência crítica e política burguesa em uma crítica pública. O público agora tem acesso à consciência crítica política.

A Esfera Pública de Jürgen Habermas

Uma vez definidos os termos e o contexto da sociedade burguesa capitalista, Jürgen Habermas passa então, a trabalhar o conceito de esfera pública propriamente dito, e coloca:

A esfera pública burguesa pode ser entendida inicialmente como a esfera das pessoas privadas reunidas em um público; elas reivindicam esta esfera pública regulamentada pela autoridade, mas diretamente contra a própria autoridade, a fim de discutir com ela as leis gerais da troca na esfera fundamentalmente privada, mas publicamente relevante, as leis do intercâmbio de mercadorias e do trabalho social (Habermas, 1984:42).

Na frase acima, estranha-nos o fato de uma esfera pública ser composta por sujeitos inseridos em uma esfera privada, e sobre esse fato singular, Habermas explica:

Os burgueses são pessoas privadas; como tais, não “governam”. Por isso, as suas reivindicações de poderio contra o poder público não se dirigem contra a concentração do poder que deveria ser “compartilhado”; muito mais eles atacam o próprio princípio de dominação vigente. O princípio de controle que o público burguês contrapõe a esta dominação, ou seja, a esfera pública, quer modificar a dominação enquanto tal (Habermas, 1984:43).

Assim, fica claro que, embora os burgueses componham uma esfera pública privada, eles se organizam como público, pois estão separados do poder, separados do Estado e da aristocracia da Corte.

Em um diagrama, Habermas faz uma condensação do cenário onde estão o setor privado, a esfera do poder público, a esfera pública política e a esfera pública literária (Habermas, 1984:45). Do lado do setor privado encontram-se a sociedade civil composta do mercado e dos trabalhadores sociais e o espaço íntimo da pequena-família, espaço este de suma importância para o crescimento da intelectualidade burguesa: “A compreensão que o tirocínio público tem de si mesmo é dirigido especificamente por tais experiências privadas que se originam da subjetividade, em relação ao público, na esfera íntima da pequena-família” (Habermas, 1984:43), diz o alemão. Para compreendermos melhor a importância da pequena-família, ela está no fato de a vida pública burguesa começar dentro da própria casa, como expõe Habermas:

As pessoas privadas que se constituem num público não aparecem “na sociedade”; toda vez elas, por assim dizer, destacam-se primeiro em relação ao pano de fundo de uma vida privada que ganhou forma institucional no espaço fechado da pequena-família patriarcal. Este é o local de uma emancipação psicológica que corresponde à emancipação político-econômica (Habermas, 1984:62).

Do lado da esfera do poder público, como colocamos, estão o Estado, que inclui a polícia e a Corte, e a sociedade da aristocracia. No meio desses dois setores, público e privado, estão a dita esfera pública política e a esfera pública literária, composta por clubes, imprensa e o mercado de bens culturais.

Assim como a esfera íntima da pequena-família burguesa tem papel importante no desenvolvimento da intelectualidade burguesa, o mercado de bens culturais também assume papel importante em tal desenvolvimento, como evidencia Habermas: “Interesses psicológicos também dirigem o raciocínio que se inflama nos espaços culturais tornados públicos: na sala de leitura ou no teatro, em museus e concertos. À medida que a cultura assume forma de mercadoria, (...) pretende-se ver nela o objeto próprio de discussão e com qual a subjetividade ligada ao público entende a si mesma” (Habermas, 1984:44). Por ironia do destino, esse mesmo mercado de bens culturais que fomentou o surgimento da esfera pública iria, no futuro, ser responsável pelo fim da esfera pública, como veremos a seguir.

E, como vimos na descrição do diagrama de Habermas, entre os setores público e privado temos também a esfera pública literária, que o alemão destaca ser de suma importância para a construção do pensamento crítico burguês:

A “cidade” não é apenas economicamente o centro vital da sociedade burguesa; (...) ela caracteriza, (...) uma primeira esfera pública literária que encontra as suas instituições nos coffee-houses, nos salons e nas comunidades de comensais. Os herdeiros daquela sociedade de aristocratas humanistas, em contato com os intelectuais burgueses que logo passam a transformar as suas conversações sociais em aberta crítica (Habermas, 1984:45).

A importância dessa esfera pública literária é fundamental, pois são nesses espaços que, como vimos nessa citação, se desenvolve a crítica burguesa. Esse espaço é, então, o mesmo espaço, ou a esfera pública política, como deixa claro Habermas: “A esfera pública política provém da literária; ela intermedia, através da opinião pública, o Estado e as necessidades da sociedade” (Habermas, 1984:46). É nesse espaço literário que a imprensa vai ter uma atuação fundamental, tornando-o um espaço ou esfera pública de debates que questiona os rumos da sociedade.

Fica claro que, na medida que a burguesia desenvolvia uma consciência de seu papel na sociedade, utilizando-se desses espaços – tanto em esferas públicas como privadas – fomentada por uma imprensa de opinião e em contato com uma aristocracia que também se afastava do poder do Estado[20], surgia uma crítica em relação ao poder, e esta burguesia passaria, então, a reivindicar o seu papel dentro da sociedade.

Até aqui nós temos todos os elementos constituintes de uma esfera pública: o mercado capitalista, o Estado moderno, a sociedade burguesa, as esferas públicas política, literária e íntima, a mídia (que no caso da emergente sociedade burguesa, era a também emergente imprensa escrita) e o desenvolvimento de uma consciência política e crítica dentro das esferas públicas. Esse enorme palco tinha diferentes esferas públicas, muitas delas dentro do conceito estrutural (ou temporárias) e, a que nos interessa mais, as esferas públicas conjunturais (ou permanentes)[21], como muitas que surgiam na Europa durante os séculos XVI, XVII e XVIII, onde sempre se destacava o uso da prensa gráfica fomentando intensos debates públicos como, por exemplo, na iconoclastia calvinista[22], na institucionalização da imprensa na Holanda[23], no aparecimento dos jornais oficiais e não-oficiais na França pré-revolucionária do século XVII[24], e os exemplos clássicos da história: a própria Revolução Francesa (1789), a Revolução Gloriosa Inglesa (1685) e, no novo mundo, a Revolução Norte-Americana (1776).

Vemos que a imprensa escrita aparece como um vetor importantíssimo na construção da crítica burguesa e, como esclarecemos, tal fato é de concordância de vários estudiosos[25], porém creditar somente a ela a construção desse pensamento seria falta de bom senso. Mencionamos, inclusive, que, antes do surgimento da esfera pública burguesa, os comerciantes europeus utilizavam-se de outras formas de comunicação e mantinham uma grande tradição na transmissão de informações e conhecimentos de forma oral. A influência do jornal vai ganhar dimensões com o advento da tipografia, que surge em meados do século XV, como vemos na passagem a seguir:

A impressão tipográfica foi uma das maneiras de se produzir jornal, mas não a única. (...) o jornal impresso somente surgiu por volta do ano 1600, um século e meio após o advento da máquina tipográfica, inventada na Europa em meados do século XV. Todavia, neste período de cento e cinqüenta anos durante o qual a tipografia esteve imprimindo somente livros, houve jornais, só que feitos a mão, as chamadas “gazetas manuscritas”. É bem verdade que o jornalismo multiplicou enormemente sua influência depois que se tornou tipográfico (Costella, 2001:15).

Como vemos, o jornal impresso vai ter a sua atuação marcada na Europa do século XVII, justamente quando temos o surgimento dos Estados modernos, do capitalismo e da burguesia. Porém, antes do advento da imprensa, já havia outras formas de transmitir notícias, informações e opiniões, como vimos, as “gazetas manuscritas” e, como mencionamos, a comunicação oral. A importância da comunicação oral é fundamental pois, introduzindo-se nela a imprensa, obtemos um cenário onde os jornais vão fomentar as discussões políticas dentro dos espaços públicos, como se explicitou nos estudos de Habermas, e esta, a imprensa, foi o elo fundamental que fez emergir a esfera publica.

O Fim da Esfera Pública

O jornalista e pesquisador livre-docente Mauro Wilton de Sousa (ECA/USP), em palestra para estudantes de jornalismo no Espaço Cultural CPFL (São Paulo)[26], discorreu sobre “as quatro idades da imprensa” e o papel do jornalista e da esfera pública. Referindo-se aos estudos de Habermas e outros teóricos (entre os quais Baudrillad, Adorno e Horkheimer) contou como uma imprensa que nasceu opinativa, fomentadora da esfera pública, acabou se modificando e “matando” essa esfera pública. Sua palestra é fundamental para entendermos a evolução da imprensa, um pouco de sua história, e de como ela se relaciona com o presente assunto, dessa forma, iluminando um entendimento mais profundo sobre o papel da imprensa e, na atualidade, da Internet dentro desse contexto.

A-) 1ª Idade da Imprensa – Imprensa de Opinião

É justamente a impressa à qual nos referimos no tópico anterior. Data do surgimento da prensa gráfica até o crepúsculo do século XVIII e início do século XIX, ou seja, esta fase termina pouco depois da Revolução Francesa. A imprensa, nesta época, é caracterizada por não possuir interesses econômicos e ser livre de qualquer tipo de coação. É a imprensa da troca de opiniões nos cafés literários, de argumentação política, que intermediava a esfera pública coletiva, fomentando a discussão política e a troca de opiniões.

B-) 2ª Idade da Imprensa – Fase Comercial

Datada do início do século XIX, a chamada de Fase Comercial da imprensa marca a entrada do interesse econômico na produção dos jornais, sendo a imprensa que evolui junto à Revolução Industrial. O interesse então passa a ser a obtenção de lucro com a venda de jornais. Dessa forma, a imprensa perde a sua característica de isenção total e começa não mais a propagar idéias, e sim a vender idéias. Vender idéias e interesses com o intuito de angariar leitores, de manter um público leitor. O comprometimento político já não existe mais, embora a política vá sempre fazer parte do noticiário; porém, agora ela o faz objetivando (e objetivamente) o lucro com a venda do jornal. Essa fase marca a entrada do folhetim nos jornais, que eram obras literárias (ficção, romances) publicados em capítulos a cada edição como uma forma de prender o leitor ao jornal. Esta fase marca também o início da entrada da publicidade nos jornais. Essa mudança de uma imprensa de opinião sem interesses econômicos para a fase comercial marca o início do fim esfera pública.

C-) 3ª Idade da Imprensa – Interesse Ideológico

Se a fase comercial da imprensa marcou o início do fim da esfera pública, a terceira idade da imprensa, que começa a partir do alvorecer do século XX, acaba de vez com qualquer resquício de esfera pública nos moldes que trabalhamos até agora. A imprensa já não é mais local, ela agora atinge as massas, é uma imprensa que produz jornais em escala de massa, em ritmo industrial (evoluindo e ampliando fronteiras com novas tecnologias que iam surgindo: telégrafo, cabo submarino intercontinental, fotografia e radiotransmissão entre outras). O interesse da imprensa, então, passa a ser as massas, é uma imprensa que media a criação da indústria cultural. O século XX marca a entrada de várias mídias de massa no grande palco da mídia, surge o mainstream media: o cinema, rádio e a televisão (além da já tradicional imprensa escrita). Com isso temos um grande crescimento na indústria que produz e reproduz os bens culturais. A imprensa, então, trabalha num conceito de ideologização das massas sob o interesse comercial de difundir e expandir essa indústria cultural[27]. Os meios de comunicação, incluindo a imprensa, passam a ser intérpretes dos interesses privados, é uma imprensa guiada pelo interesse do marketing e o capital da publicidade. Acaba o espaço da argumentação na imprensa e entra a informação, a imprensa passa também a ser um veículo de entretenimento. A imprensa, que antes era um espaço de argumentação política, de opinião, se torna um espaço de troca de interesses econômicos sobre questões político-ideológicas. É o fim da esfera pública dentro dos conceitos que trabalhamos.

D-) 4ª Idade da Imprensa – Gerações Públicas Generalizadas

A quarta idade da imprensa se inicia a partir da metade do século XX. É quando diversas instituições, Estado, empresas, organizações, igrejas etc., passam também a buscar o seu espaço dentro da mídia (imprensa, rádio e TV), de forma a se colocarem generalizadamente na sociedade. É quando surgem as acessorias de imprensa e as relações públicas, evidenciando a importância que as instituições têm de se colocar na mídia, em mostrar suas idéias e defender seus interesses. A imprensa mostra, assim, uma pluralidade de interesses, a argumentação fica dispersa dentro dessa pluralidade. Este cenário de pluralidade montado por Wilton Sousa, somado ao que já averiguamos sobre as novas características midiáticas que tomam o palco da comunicação na atualidade com o advento da Internet, poderíamos, apenas para uma rápida compreensão desse contexto, intitulá-lo de fase das “Gerações Públicas Binárias, Conectivas e Massivamente Generalizadas”, ou algo parecido, apenas para compreendermos um pouco da dimensão de como a evolução tecnológica atual que permeia toda sociedade, mais e mais instituições e até indivíduos, têm como se colocarem de forma generalizada dentro do cenário midiático em diferentes graus.

E ainda, com o passar dos anos, a imprensa passa a conviver com o fenômeno da globalização, que a afeta diretamente. O capital da imprensa agora é globalizado, seja através dos grandes conglomerados de mídia, os global players, seja na própria comunicação veiculada, que passa a ser mista, ao mesmo tempo local e global. Outro fenômeno antagônico acontece com a imprensa, como coloca Wilton Sousa: “O processo de globalização fez com que o processo de informação esteja ao mesmo tempo generalizado e centralizado”. Ou seja, ao mesmo tempo em que vários setores da sociedade buscam seu espaço na mídia de forma generalizada, o mass media é centralizado, com poucos emissores falando para milhões de receptores. A imprensa deixa de ser um espaço de argumentação e passa a ser o espaço da visibilidade da informação e, neste contexto, a liberdade é limitada. A esfera pública, então, desaparece completamente da imprensa e passa a buscar o seu espaço fora da mídia.

Outra característica de dualidade da mídia na atualidade, que se intensifica com a expansão da Internet e do mundo interconectado, é apontada por Nicholas Negroponte. O autor afirma que a mídia tornou-se maior e menor ao mesmo tempo, o que, entendemos como mais amplas (alcançando mais públicos) e mais fragmentadas (cada vez se especializando em assuntos mais específicos e direcionados para públicos menores, o narrowcasting):

Na era da informação, os meios de comunicação de massa tornaram-se simultaneamente maiores e menores. Novas formas de transmissão televisiva como a CNN e USA Today atingiram públicos maiores, ampliando ainda mais a difusão. Revistas especializadas, videocassetes e serviços por cabo deram-nos exemplos de narrowcasting, atendendo a grupos demográficos pequenos. Assim, os meios de comunicação se tornaram maiores e menores a um só tempo (Negroponte, 1995:157).

Voltando à palestra de Mauro Wilton Sousa, no seu fim, o pesquisador discute o papel da imprensa hoje, onde esta está inserida dentro de um contexto de uma sociedade pós-moderna capitalista e economicamente globalizada, dentro de um mercado que não é apenas local ou nacional, é mundial. A imprensa hoje é o espaço do conflito, que reflete os conflitos típicos de uma sociedade globalizada, os conflitos raciais, étnicos, sociais e econômicos. E Wilton Sousa fala sobre o surgimento de duas novas esferas públicas: a esfera pública do conflito, que reflete e debate esses conflitos; e a esfera pública midiática, onde o “estar junto na sociedade” passa pela mídia[28], é a esfera que reúne o público em grandes eventos, tais como futebol, carnaval, cinema, shows, supertragédias[29], etc.. Esses espaços, entretanto, não são mais de argumentação e discussão política, são espaços de discussão da esfera privada. E, para finalizar e ilustrar esse novo contexto da imprensa, Wilton Sousa diz: “A opinião pública hoje se sustenta através da mídia, como espaço de circulação e não mais como espaço da argumentação”. Em suma, não há mais esfera pública como na conceituação que vimos nos estudos de Jürgen Habermas. O foco político, fundamental nos conceitos do alemão, não só dentro do contexto da Idade Moderna, de outros mais remotos, como nas antigas Roma e Grécia, se perderam no cenário acima descrito. Porém, no novo paradigma que se molda dentro da cena midiática atual e sua nova vedete, a Internet, vale investigar se tais mudanças afetam este palco revelado por Wilton Sousa. Poderia a Internet alterar de forma radical este contexto e até, quem sabe, resgatar a esfera pública? Nos referimos à esfera do debate político, que dá rumo ao destino das sociedades, como já bem mencionamos anteriormente. As reflexões no tópico a seguir buscam encontrar uma luz no fim do túnel para essa obscura questão.

A Esfera Pública na Internet

Antes de lançarmos uma luz sobre a questão, se a Internet resgata a esfera pública ou não, vamos voltar ao diagrama de Habermas e analisar se os termos ali colocados estão presentes nos dias atuais. Habermas falava em dois setores: o privado e a esfera do poder público. Dentro do setor privado se destacavam a sociedade civil, com o seu setor de troca de mercadorias, e o trabalho social, setor esse que ainda existe, porém com um mercado agora globalizado. Ainda no setor privado existia o espaço íntimo da pequena-família que, naturalmente, ainda existe nos dias atuais. Vale frisar que esse setor era composto basicamente da burguesia que de fato ainda existe hoje, embora essa burguesia não se autodenomine mais como burguesia. Na esfera do poder público, onde se destacavam o Estado e seus aparelhos repressivos, estes não só perduram até os dias atuais como ainda têm seus poderes e seus aparelhos replicados em diversas instituições que o compõem. Não temos mais a Corte e nem uma aristocracia como a conhecíamos nos tempos das Cortes Reais, mas, com ampliação do Estado e seus aparelhos, estes suplantam a existência dessa Corte aristocrática como era nos tempos da realeza. De qualquer forma, ainda temos atualmente, um setor público e um setor privado visivelmente separados entre si, e uma sociedade civil que se organiza como público. Entre esses setores, Habermas colocava as esferas públicas política e literária, esta composta de clubes e a imprensa, e também, do mercado de bens culturais. No papel creditado por Habermas aos clubes, hoje temos diversas outras formas de agrupamentos de pessoas onde debates, políticos ou não, acontecem, de forma que espaços públicos (físicos) existem em abundância, locais onde a sociedade poderia estar discutindo o seu destino. O mercado de bens culturais existe e está mais forte do que nunca, é, inclusive, globalizado também. Se transplantarmos as teorias de Habermas sobre o mercado de bens de consumo onde ele dizia que este, uma vez público, ajudou a criar a autoconsciência burguesa, podemos pensar o mesmo da Internet. A Internet é uma mídia que traz junto de si toda uma onda consumista de bens culturais e, junto desta onda, novas formas de interatividade que levam os cidadãos, conectados, a terem mais conhecimentos sobre si mesmos. Sobre esse tema em particular é o que nos fala Pierre Lévy:

A cibercultura é propagada por um movimento social muito amplo que anuncia e acarreta uma evolução profunda na civilização. O papel do pensamento crítico é o de intervir em sua orientação e suas modalidades de desenvolvimento. Em particular, a crítica progressista pode esforçar-se para trazer à tona os aspectos originais das evoluções em andamento (Lévy, 1999:229).

Lévy aponta para um movimento social amplo, liderado pela cibercultura, que é a cultura que provém das peculiaridades interativas do ciberespaço. A questão então é: essa nova forma de consumo cultural que nos traz a Internet, não teria o mesmo papel que o incipiente mercado de bens culturais nos primórdios da imprensa? Nem Lévy nos responde essa questão, pois ele mesmo diz que esse movimento social “anuncia” uma evolução na civilização, e invoca o pensamento crítico como guia para esse desenvolvimento. Ele não nos fala que de fato isto está ocorrendo, mas, passados nove anos desta afirmação de Lévy, estaria ocorrendo? Uma coisa apenas é certa: o crescimento da Internet traz consigo um mundo informativo exponencial e incomensuravelmente maior em comparação ao que tínhamos até então. Toda essa informação, esse conteúdo – a “avalanche”, o “boom” – as novas formas de interação e tudo que já levantamos neste estudo, de alguma forma está mudando as pessoas que partilham desse novo mundo comunicativo.

Mas, nessa explanação, acabamos deixando de lado a questão de que a Internet, e sua peculiar forma de expressão cultural, realmente colabora para a criação de uma consciência crítica maior dos seus usuários conectados entre si. Vimos nos estudos de Habermas que a autoconsciência burguesa era uma consciência de seu papel dentro de um mercado de bens de consumo na sociedade capitalista. Transplantando esse aspecto para o mundo atual em seu mercado globalizado e interligado pela Internet, fica claro que o consumidor, sendo coprodutor da informação, evolui com ela, e isso pode levar a crer que, neste processo, ele vá criar uma autoconsciência de seu papel na sociedade e, potencialmente, criar uma consciência crítica a respeito disso, o que poderá levá-lo a querer fazer parte da discussão dos rumos da sociedade na qual está inserido. Ao menos em si mesma, como meio, podemos dizer que, nesse sentido, a Internet é uma mídia mais democrática que as demais, apesar de problemas como a exclusão digital, o que atribuímos ao fato de ela permitir a comunicação todos-todos e os demais meios não.

Outro fator que Habermas trouxe à luz sobre a imprensa na Idade Moderna é: “Quando, 1709, Steele e Addison publicaram os primeiros números do Tatler, os cafés já eram tão numerosos, os círculos dos freqüentadores dos cafés já eram tão amplos que a coesão desse círculo multiforme só podia ser mantida através de um jornal” (Habermas, 1984:58). Entendemos que, nos dias atuais, com uma sociedade globalizada, onde o mercado é local e global, assim como a imprensa e os tradicionais meios do mass media, como vimos anteriormente, a única mídia capaz de trazer uma coesão a esta dispersão seria a Internet, pois ela é ao mesmo tempo local e global, e também é a única mídia que conecta todos seus usuários e as diversas redes dispersas por todo mundo, o que inclui até mesmo as redes de radiotransmissão e os tradicionais jornais diários, que hoje registram seus endereços na web e assumem a forma de portais de notícia.

Sobre a hipótese que se lança aqui, Pierre Lévy, sem dúvida, dá diversas pistas sobre as mudanças na sociedade com a criação de um novo espaço comunicacional interativo, pistas que nos levam à busca do elemento que nos falta para completar o diagrama de Habermas no mundo globalizado: a esfera pública. Sem dúvida, uma esfera pública que discute os destinos da sociedade pode ser chamada de democrática, e, sobre a democracia no ciberespaço, Lévy nos diz:

Para cortar pela raiz imediatamente os mal-entendidos sobre a “democracia eletrônica”, vamos esclarecer novamente que não se trata de fazer votar instantaneamente uma massa de pessoas separadas quanto a proposições simples que lhes seriam submetidas por algum demagogo telegênico, mas sim de incitar a colaboração coletiva e contínua dos problemas e sua solução cooperativa, concreta, o mais próximo possível dos grupos envolvidos. (...) Articular os espaços (...) visa antes compensar, no que for possível a lentidão, a inércia, a rigidez indelével do território por sua exposição em tempo real no ciberespaço. Visa também permitir a solução e, sobretudo, a elaboração dos problemas da cidade por meio da colaboração em competências, dos recursos e das idéias (Lévy, 1999:195).

Aqui Lévy revela que a Internet, sendo uma mídia interativa, poderia ser um espaço de discussão dos rumos da sociedade, de forma que, potencialmente, poderíamos afirmar que a Internet é a forma comunicacional que traz em si uma “tecnologia” que se permite usá-la como uma esfera pública. É um espaço que poderia servir como a esfera literária do século XVIII, um espaço onde as pessoas poderiam buscar informações e argumentar politicamente mesmo que separadas fisicamente. Se de fato a Internet se dá a esse espaço é outra questão que merece uma resposta satisfatória.

Esses espaços virtuais de debates poderiam ser as chamadas “comunidades virtuais”. Lévy aponta essa questão, contrapondo a Internet aos mass media que acabaram com o espaço público, como vimos no tópico anterior:

A maioria das comunidades virtuais estrutura a expressão assinada de seus membros frente a leitores atentos e capazes de responder a outros leitores atentos. Assim (...) longe de encorajar a irresponsabilidade ligada ao anonimato, as comunidades virtuais exploram novas formas de opinião pública. Sabemos que o destino da opinião pública encontra-se intimamente ligado ao da democracia moderna. A esfera do debate político emergiu na Europa durante o século XVIII, graças ao apoio técnico da imprensa e dos jornais. No século XX, o rádio (...) e a televisão (...) ao mesmo tempo deslocaram, amplificaram e confiscaram o exercício da opinião pública. Não seria permitido, então, entrever hoje uma nova metamorfose, uma nova complicação da própria noção de “público”, já que as comunidades virtuais do ciberespaço oferecem, para debate coletivo, um campo de prática mais aberto, mais participativo, mais distribuído que aquele das mídias clássicas? (Lévy, 1999:129).

Apesar de Lévy terminar essa colocação com uma interrogação, ela tem implícita uma resposta positiva. Sem dúvida, pelas suas peculiaridades interativas, a Internet, bem como a imprensa no século XVIII, serve como aparato técnico para o resgate da esfera pública em alternativa aos mass media que, como vimos no capítulo anterior, irradiam a informação de poucos para muitos, afinal, em contraposição a isso, o ciberespaço é uma via comunicacional de mão dupla.

Como mencionamos no exemplo da Revolução Francesa, o Iluminismo teve um papel fundamental na criação de uma esfera pública. Os ideais iluministas e seus filósofos foram de imensa valia para a construção da consciência crítica burguesa que precederam à revolução. Lévy defende a teoria de que a cibercultura é, de certa forma, um resgate dos ideais iluministas e, portanto, subentende-se, um resgate da esfera pública (ao menos no que poderia se assemelhar com o cenário daquela época):

Em contraste com a idéia pós-moderna do declínio das idéias das luzes, defendo que a cibercultura pode ser considerada como herdeira legítima (ainda que longínqua) do projeto progressista dos filósofos do século XVIII. De fato, ela valoriza a participação em comunidades de debate e de argumentação. Na linha direta das morais igualitárias, encoraja uma forma de reciprocidade essencial nas relações humanas. Desenvolveu-se a partir de uma prática assídua das trocas de informações e de conhecimentos, que os filósofos das luzes consideravam como sendo o principal motor do progresso (Lévy, 1999:245).

Assim, podemos afirmar que a Internet, a mídia do palco cuja peça é a cibercultura, ao menos de forma potencial, resgata a esfera pública, já que é um veículo que tem dentro de si, espaços para argumentação e o debate.

Como vimos anteriormente, o estágio atual da mídia é o espaço do conflito. Surge, assim, a esfera pública do conflito. Na mesma medida em que Lévy abre a possibilidade para a Internet ser o palco que resgata a esfera pública, ele aponta que a cibercultura, embora resgate os ideais da idade das luzes, também, de certa forma, recai dentro dessa esfera, pois é uma expressão de conflito:

A cibercultura surge como a solução parcial para os problemas da época anterior, mas constitui em si mesma um imenso campo de problemas e conflitos para os quais nenhuma perspectiva de solução global já pode ser traçada claramente. As relações com o saber, o trabalho, o emprego, a moeda, a democracia e o Estado devem ser reinventadas, para citar apenas algumas formas sociais mais brutalmente atingidas (Lévy, 1999:246).

Em suma, mesmo que a Internet tenha consigo a tecnologia e os fundamentos ideológicos que resgatam a esfera pública, até mesmo Lévy levanta a necessidade de se reinventar as relações que citou, somente assim, constituindo-se como uma forma para solucionar os problemas advindos de uma época que marcou o fim da esfera pública.

Pierre Lévy não é o único teórico que partilha da idéia de que a Internet é o caminho para o resgate da esfera pública, mesmo sem afirmar isso diretamente. O jornalista e especialista em ética jornalística Eugênio Bucci, referindo-se à Paris revolucionária do século XVIII[30], traça um paralelo daquela época com a Internet. Ele revela que Paris, pouco antes da Revolução, contava com centenas de diferentes títulos de periódicos distribuídos gratuitamente para a população, e assim se faziam os debates políticos. Os jornais eram, naquele momento, os condutores que oxigenavam a formação da opinião pública. Tal processo, de efervescência de idéias, era baseado numa idéia central que surgia na época: todo poder emana do povo, portanto o povo precisa ter informação para poder delegar poder, portanto a informação é um direito fundamental do cidadão. Tendo essa idéia como paradigma, tal efervescência de idéias é o que acontece nos dias atuais através dos meios digitais. Tais meios são, segundo Bucci, formadores de opinião pública que de alguma forma interferirão nos negócios públicos e, dentro deste contexto, a mediação do jornalista é muito importante e vem ao encontro do que está acontecendo com a Internet. Em suma, o fundamento da idéia nascida no século XVIII, que aponta a informação como um direito fundamental do cidadão, reaparece com força através da Internet e, para ilustrar melhor essa idéia, Bucci diz: “Na era do digital, o cidadão tem mais condição de chegar à informação, ou ao obstáculo que o separa da informação”.

Vemos então que a informação, sendo parte fundamental na construção da esfera pública, é muito mais acessível através da Internet. Portanto a Internet tem, neste aspecto, mais condições de resgatar a esfera pública.

Existem diversos estudiosos que percebem a potencialização da Internet como novo amparo à esfera pública. Tal debate é considerado por uma instituição de direitos humanos na Internet (DHnet)[31] em seu site, onde um texto não assinado expõe: “Pode-se dizer que a Internet é uma organização e materialização comunicativa da esfera pública, como teorizada, por exemplo, por Jürgen Habermas”. Apesar desse texto não chegar à conclusão nenhuma, ele faz uma análise muito parecida com a nossa em diversos aspectos. Expõe a “culpabilidade” dos interesses comerciais no “assassínio” da esfera pública e analisa até que ponto as características da Internet e a formação de comunidades virtuais pode resgatar o diálogo através da mídia e, dessa forma, contribuir para o resgate da esfera pública. O que fica evidente na seguinte passagem: “A constituição de uma esfera pública ‘saudável’, capaz de abrigar diferentes opiniões e qualidades de interação, pode ser considerada um dos fundamentos de uma sociedade democrática e participativa. Daí a importância que a Internet assume nesse processo de organização da esfera pública, da ordem social e política atual”. Cremos que, em concordância com essa afirmação, a característica de inserção do indivíduo na mídia, somente possível através da Internet e suas peculiaridades conectivas, é fundamental para recuperar o que foi perdido dentro do processo de formação da opinião pública como característica básica da esfera pública. Tal fato ganha relevância quando, como destacamos, hoje as sociedades estão imersas num mundo globalizado. Sendo assim, somente as características de uma rede global, como tem a Internet, teria a capacidade de ampliar qualquer debate, ou filtrá-lo, do nível local para o global e vice-versa.

Como vimos até agora, a Internet, pelo menos de forma cultural, técnica, ideológica e informativa, é um caminho que, potencialmente, pode resgatar a esfera pública. Encontramos na Internet e na atual sociedade, os elementos que Habermas dispôs em seu diagrama, atualizados dentro de um mundo globalizado e palco de uma nova mídia interativa. Porém, se isto de fato está acontecendo – a volta da esfera pública – mesmo que num estágio inicial, uma ampla e efetiva pesquisa de campo seria necessária para tentar oferecer uma luz a essa questão. Mas, podemos buscar iniciativas dentro da Internet que nos levem a, ao menos, elucidar parte dessa questão, novas iniciativas que de alguma forma já estão, se não mudando a sociedade por completo, estão mudando um importante setor que, como vimos, sempre teve um papel de extrema importância na sociedade moderno-contemporânea, o jornalismo. Ainda neste estudo, veremos acontecimentos que podemos atribuir a um renascimento da esfera pública através da Internet, exemplos que nos mostram como isso já está acontecendo pelo mundo afora.

O pesquisador e doutor em Ciências da Comunicação Rovilson Robbi Britto (ECA/USP), num longo estudo dissertativo onde aborda a questão da esfera pública no ciberespaço, chega a duas conclusões que envolvem o espaço real e o midiático, duas esferas que, na sua visão, são distintas, mas que interagem e se alteram: a nova realidade conterá diversos espaços, a Internet terá um amplo papel na reconfiguração dos espaços já existentes e na criação de novas esferas. Sobre o espaço público na Internet, o que ele chama de “ciberespaço público”, diz que “essa nova dimensão causa impacto (...) e começa a gestar a possibilidade real de uma democracia mais direta sobre as questões decisivas para a sociedade (...) ganha crescente importância e passa ser um lugar social de importantes encontros de processos que vão alterar de sobre-maneira a forma de estruturação do social” (Britto, 2001:180-181). Em poucas palavras, Britto aponta para uma nova dimensão que se abre para a esfera pública a partir da introdução da Internet como novo meio midiático por onde o debate de questões fundamentais para os rumos da sociedade está acontecendo.

 


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