Dissertação de Mestrado - Faculdade Cásper Líbero
INTERNET, JORNALISMO E WEBLOG: A NOVA MENSAGEM

Estudos Contemporâneos de Novas Tendências Comunicacionais Digitais

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AUTOR - CONTATO

BIBLIOGRAFIA

ANEXOS

GLOSSÁRIO


1. A Nova Relação Midiática: Internet e Jornalismo


I’ll take the bricks out of your shoulder. I’ll give you pleasure” – Devil’s talking[7]

Virtualização e Atualização

Para entendermos como a Internet está alterando os paradigmas comunicacionais e estes, por sua vez, estão alterando o jornalismo como um todo, buscamos analisar essa nova mídia por variados conceitos de diversos estudiosos, o que vai muito além de olhar (ou navegar) para o novo meio apenas como mais um veículo midiático a nós disponível. O primeiro estudioso a quem recorremos é aquele que mencionamos logo na introdução deste estudo, o filósofo francês Pierre Lévy.

Segundo os conceitos discutidos por Lévy em sua obra O que é virtual, a Internet é o “mundo virtual”, pois neste mundo nada é definitivamente concreto, as páginas e os sites na World Wide Web – ou simplesmente web[8] – estão sempre em processo de atualização, principalmente por serem construídos por milhares de operários que nesse espaço interagem. A definição do “mundo virtual” de Lévy vai além de uma simples referência à Internet, é uma chave que conduz e abrange parte de todas suas teorias relativas ao mundo virtual e de como este está alterando a sociedade atual:

Um movimento geral de virtualização afeta hoje não apenas a informação e a comunicação, mas também os corpos, o funcionamento econômico, os quadros coletivos da sensibilidade ou o exercício da inteligência (...) trata-se de uma onda de fundo que ultrapassa amplamente a informatização (Lévy, 1996:11).

Outro fator que nos diz que a Internet é o “mundo virtual” está no simples fato de que, quando interagimos com esse mundo, seja através da navegação por páginas web, ou por outro protocolo qualquer de comunicação disposto na rede, estamos interagindo com representações gráficas e numéricas da informação, e não diretamente com a informação armazenada nos diferentes computadores da rede, pois esta informação é binária, matemática. Nós interagimos com a atualização de informações binárias que adquirem formas de palavras, gráficos, sons e imagens. No processo inverso, enviamos as nossas informações com comandos reais, um endereço de um site que digitamos, um clique com o mouse em um hipertexto etc., porém a informação que parte à rede é binária, portanto virtualizada, uma representação numérica de uma linguagem real e identificável pelo homem, daí a Internet ser o mundo virtual.

Lévy também enfatiza que o termo virtual vai muito além da sua definição mais comum, atribuído ao mundo das possibilidades e, mais atualmente, à própria Internet. Para ele, o virtual e a virtualização vão muito além disso. Dentro da amplitude do termo, Lévy define o virtual como um processo oposto e vinculado a outro processo, que ele chama de atual:

Já o virtual não se opõe ao real, mas sim ao atual. Contrariamente ao possível, estático e já constituído, o virtual é como o complexo problemático, um nó de tendências ou de forças que acompanha uma situação, um acontecimento, um objeto ou uma entidade qualquer, e que chama um processo de resolução: a atualização (Lévy, 1996:16).

A atualização, segundo Lévy, é um processo de questionamento, no qual idéias, teorias ou entidades são atualizadas e, assim, levadas a novas realizações concretas, a busca, a quebra e o estabelecimento de novos paradigmas, como ele bem coloca: “A atualização aparece então como a solução de um problema, uma solução que não estava contida previamente no enunciado. A atualização é a criação, invenção de uma forma a partir de uma configuração dinâmica de forças e de finalidades” (Lévy, 1996:16). Sendo a virtualização um processo vinculado e inverso à atualização, poderíamos entendê-la como um processo de onde o real, o concreto, passa ao conjunto das possibilidades. Porém não é exatamente isso que Lévy expõe sobre a virtualização. Para ele a relação do virtual com o real e o atual se dá da seguinte forma: “O real assemelha-se ao possível; em troca, o atual em nada se assemelha ao virtual: responde-lhe” (Lévy, 1996:17). E, para ficar clara sua posição, ele a exemplifica: “Virtualizar uma entidade qualquer consiste em descobrir uma questão geral à qual ela se relaciona, em fazer mutar a entidade em direção a essa interrogação e em definir a atualidade de partida como resposta a uma questão particular” (Lévy, 1996:18). Portanto, para Lévy, uma entidade ou qualquer outra representatividade no mundo virtual se entende como um corpo em contínuo processo de mutação, o que ele coloca na seguinte passagem: “(...) a virtualização da empresa consiste (...) em fazer das coordenadas espaço-temporais (...) um problema sempre repensado e não uma solução estável” (Lévy, 1996:18). Fica claro então, que o virtual é o que surge de um processo de virtualização, o processo inverso da atualização: “A virtualização pode ser definida como o movimento inverso da atualização” (Lévy, 1996:17), enfatiza o francês. A virtualização remota o inventivo de uma solução a uma problemática. O atual, a solução particular de um problema no aqui agora se virtualiza e se torna existente. Tendo esses pontos em mente, então, temos a definição do que é virtual, para Lévy: “(...) o virtual constitui a entidade: as virtualidades inerentes a um ser, sua problemática, o nó de tensões, de coerções e de projetos que o animam, as questões que movem, são uma parte essencial de sua determinação” (Lévy, 1996:16).

O ciberespaço, um termo cuja nomenclatura não é uma criação de Lévy[9], refere-se ao espaço virtual criado pelas redes computacionais interconectadas pelo mundo através da Internet. A atividade das pessoas nesse ciberespaço, sejam elas físicas ou jurídicas, compõe o que Lévy chama de cibercultura. Como fator essencial da cibercultura, dado que esta é composta por milhões de pessoas, sempre em contínuo processo de virtualização, nasce o que Lévy chama de inteligência coletiva. Partindo do pressuposto de que cada indivíduo humano deste planeta é possuidor de inteligência, Lévy define:

Cada indivíduo humano possui um cérebro particular, que se desenvolveu, a grosso modo, sobre o mesmo modelo que o dos outros membros de sua espécie. Pela biologia, nossas inteligências são individuais e semelhantes (embora não idênticas). Pela cultura, em troca, nossa inteligência é altamente variável e coletiva. Com efeito, a dimensão social da inteligência está intimamente ligada às linguagens, às técnicas e às instituições, notoriamente diferentes conforme os lugares e as épocas (Lévy, 1996:99).

Dado que a inteligência coletiva é fruto da cultura, da interação entre os homens, entendemos que a integração comunicacional entre esses indivíduos através de uma rede global eleva à potência máxima a inteligência humana. Assim pode ser compreendida a inteligência coletiva de que Lévy fala, e que ganha força através do mundo virtual. A expressão dessa inteligência coletiva é o que Lévy chama de cibercultura, a cultura que provém das peculiaridades interativas e conectivas do ciberespaço, que tem por trás de si a tecnologia binária computacional interligada.

Texto e Hipertexto

Algumas implicações das novas peculiaridades interativas da Internet nos mostram como a nova grande rede amplifica o poder comunicativo do Homem, e como ela está diferenciando o tradicional jornal impresso do mais recente jornal virtual, online ou webjornal, de que falaremos neste trabalho. Existem, nas teorias de Pierre Lévy, algums escritos que dizem respeito às diferenças entre texto e hipertexto que nos mostram as dimensões do jornalismo dentro dessas duas formas de escrita, impressa e digital, respectivamente. Podemos compreendê-las ao mensurarmos a diferença do texto para o hipertexto, dado que o texto é a linguagem básica dos jornais impressos e, o hipertexto, a linguagem básica dos webjornais.

Segundo Lévy, o advento da escrita eleva o conhecimento e a inteligência humana, mas a escrita depende não só das palavras, e sim de representações destas sobre um suporte, de modo que fiquem dispostas continuamente no tempo-espaço, sejam perpetuadas, daí a sua superioridade sobre a comunicação feita de forma apenas oral:

Com a escrita, e mais com o alfabeto e a imprensa, os modos de conhecimento teóricos e hermêuticos passaram portanto a prevalecer sobre os saberes narrativos e rituais das sociedades orais. A exigência de uma verdade universal, objetiva e crítica só pode se impor numa ecologia cognitiva largamente estruturada pela escrita, ou, mais exatamente, pela escrita sobre o suporte estático (Lévy, 1996:38).

A própria escrita, segundo Lévy, é um mundo virtual, ou, talvez, o primeiro mundo virtual criado pelo homem, como uma precursora da Internet como mundo virtual tal como hoje a conhecemos. O “poder de virtualização” da escrita é entendido pela seguinte passagem do pensador francês: “A linguagem, primeira realidade virtual a nos transportar para fora do aqui e agora, longe das sensações imediatas, potência de mentira e de verdade, por acaso nos fez perder a realidade ou, ao contrário, nos abriu novos planos de existência?” (Lévy, 1999:219), fica fácil compreender que a Internet não só reafirma essa “virtualidade”, como a eleva a novos patamares muito superiores, sem limites visíveis. Tal fato já havia sido previsto pelo estudioso canadense Marshall McLuhan, quando ele comenta o impacto dos meios elétricos (aos quais, além do rádio, TV e cinema, ele inclui o telefone) sobre a palavra escrita: “Nossos valores ocidentais, baseados na palavra escrita, têm sido consideravelmente afetados pelos meios elétricos, tais como o telefone, o rádio e a televisão” (McLuhan, 1961:101). Agora, novamente, a palavra escrita – base da comunicação jornalística impressa – está sob o impacto de um novo meio, o computador e, em especial, a Internet. Dessa forma, vemos que mais uma vez, novos patamares são delineados.

Se a escrita leva o Homem além do aqui-agora, a Internet vai além, pois nela não se faz mais sobre um suporte estático e, sim, dinâmico, digital:

Pois o texto contemporâneo alimentando correspondências on-line e conferências eletrônicas, correndo em redes, fluido, desterritorializado, mergulhado no oceano do ciberespaço, esse texto dinâmico reconstitui, mas de outro modo e numa escala infinitamente superior, a copresença da mensagem e de seu contexto vivo que caracteriza a comunicação oral. De novo, os critérios mudam. Reaproximam-se daqueles do diálogo ou conversação: pertinência em função do momento, dos leitores e dos lugares virtuais (Lévy, 1996:39).

Fica claro, então, que o texto flui na Internet numa escala muito maior que sobre um suporte estático, pois na Internet ele passa de um simples texto a um texto dinâmico e sempre reconstituído, já que está dentro do palco da inteligência coletiva que é a aquela construída pela coletividade da Internet. Porém, além do texto em si, Lévy nos fala a respeito do próprio ato de ler:

Na verdade é somente na tela, ou em outros dispositivos interativos, que o leitor encontra a nova plasticidade do texto ou da imagem, uma vez que, como já disse, o texto em papel (ou o filme em película) forçosamente já está realizado por completo. A tela informática é uma nova “máquina de ler”, o lugar onde uma reserva de informação possível vem se realizar por seleção, aqui e agora, para um leitor particular. Toda leitura em computador é uma edição, uma montagem singular (Lévy, 1996:41).

Então, fica evidente que além do texto ser mais fluído e dinâmico quando compartilhado numa rede interativa, o próprio leitor também se torna mais dinâmico, pois entra numa máquina de leitura, onde programa o que ler, o que compartilhar. É o leitor quem faz a montagem e a seleção do conteúdo que lhe convém. Assim, sobre a leitura e o suporte digital, Lévy complementa:

Enfim, o suporte digital permite novos tipos de leituras (e de escritas) coletivas. Um continuum variado se estende assim entre a leitura individual de um texto preciso e a navegação em vastas redes digitais no interior das quais um grande número de pessoas anota, aumenta, conecta os textos uns aos outros por meio de ligações hipertextuais (...). Se ler consiste em selecionar, em esquematizar, em construir uma rede de remissões internas ao texto, em associar a outros dados, em integrar as palavras e as imagens a uma memória pessoal em reconstrução permanente, então os dispositivos hipertextuais constituem de fato uma espécie de objetivação, de exteriorização, de virtualização dos processos de leitura (Lévy, 1996:43).

Esclarece-se nesta passagem que o hipertexto, texto composto de vários textos diretamente conectados, somado ao hábito de ler através de hipermídias, estende a leitura para um horizonte maior, que compreende a dinâmica da inteligência coletiva. E sobre essa “superioridade” do hipertexto sobre o texto no suporte estático, o autor nos fala:

(...) o suporte digital apresenta uma diferença considerável em relação aos hipertextos anteriores à informática: a pesquisa dos índices, o uso dos instrumentos de orientação, de passagem de um nó para outro, fazem-se com rapidez da ordem de segundos. (...) a digitalização permite associar na mesma mídia e mixar finamente os sons, as imagens animadas e os textos (Lévy, 1996:44).

Então não só o texto em hipermídia estende a leitura humana, ele o faz de maneira mais rápida e eficiente, agregando novos elementos, igualmente dinâmicos, ao texto, tais como imagens, vídeos e sons. Estes ainda podem ser combinados de maneira adequada, agregando novas informações, dinamizando a leitura, a informação e o conhecimento. E mais, dispostos numa rede global, como a Internet, texto e hipertexto perdem suas fronteiras:

Os dispositivos hipertextuais nas redes digitais desterritorializam o texto. Fizeram emergir um texto sem fronteiras nítidas, sem interioridade definível. Não há mais um texto, assim como não há uma água e uma areia, mas apenas água e areia. O texto é posto em movimento, envolvido em fluxo, vetorizado, metafórico. Assim está mais próximo do pensamento, ou da imagem que hoje temos deste. Perdendo sua afinidade com as idéias imutáveis que supostamente dominaram o mundo sensível, o texto torna-se análogo ao universo de processos ao qual se mistura (Lévy, 1996:48).

O hipertexto na Internet, diferentemente do texto estático – limitado às margens de um papel, às páginas de um livro, às prateleiras de uma biblioteca ou um acervo de jornal –, é parte de um grande mar, composto de todas as redes e informações nele dispostos. No ponto de vista de um jornal diário, poderíamos entender que este se limita às suas páginas, à sua presente edição, enquanto na Internet o webjornal se estende em um mar de conexões que trazem informações e conhecimentos que jamais poderiam ser dispostos em uma ou mais edições de um texto limitado. Em suma, o webjornal também pode ser considerado desterritorializado, ao passo que o jornal diário fica limitado em si mesmo, ao seu número de páginas e, em termos de abrangência, ao seu campo de distribuição e número de impressões.

Outro autor que analisa a capacidade do hipertexto como uma nova forma de leitura e fluência da informação é o professor doutor em Sociologia, André L. M. Lemos (Universite de Paris V – França /UFBA – Brasil), que o relaciona com as novas possibilidades de interação do leitor com esse “texto vivo”:

Um hypertexto é um texto aberto a múltiplas conexões a outros hypertextos. Com os hypertextos, é a figura do leitor que se vê substituída pela do “netsurfista”. Esse não é mais um simples leitor, mas um ator, um autor e um agente de interação com as interfaces do ciberespaço (Laurel, B. Computer as theater. Addison-Wesley, 1993). O ciberespaço é assim um conjunto de hypertextos interligados entre si onde podemos adicionar, retirar e modificar partes desse texto vivo (Lemos, em http://www.futuro.eng.br/CIBER.html, 11/07/2008).

Na obra de Asa Briggs e Peter Burke, Uma história social da mídia, em que eles descrevem com profundidade a evolução comunicacional do Homem desde o surgimento da prensa gráfica, um capítulo inteiro é dedicado à “vaporização da comunicação”[10]. Fala de como a tecnologia do vapor, trens, navios e maquinários diversos expandiu assombrosamente o poder comunicativo do Homem, quebrando diversas barreiras físicas que o limitavam. Agora, pelas palavras de Lévy, é possível perceber que a Internet, a conexão/binarização de várias redes comunicacionais mundo afora, expande com furor essa fronteira a novos níveis cujos limites são impossíveis de se predizer. Estamos novamente em meio a uma vaporização comunicacional.

O Ciberespaço e o Novo Mercado

A Internet não traz mudanças apenas no ato de ler, no suporte do texto e do hipertexto, na desterritorialização que advém da web, vai muito além: ela altera e cria novos mercados, como nos fala Lévy:

O ciberespaço abre de fato um mercado novo, só que se trata menos de uma onda de consumo por vir que da emergência de um espaço de transação qualitativamente diferente, no qual os papéis respectivos dos consumidores, dos produtores e dos intermediários se transformam profundamente (...).

O mercado on-line não conhece as distâncias geográficas. Todos seus pontos estão em princípio igualmente “próximos” uns dos outros para o comprador potencial (Lévy, 1996:61).

Quando se fala em “novo mercado da Internet”, não podemos excluir os jornais que, através de suas versões digitais, também se fazem presentes na grande rede, somados aos novos webjornais que têm veiculação exclusiva pela web, que nasceram na Internet. Se a Internet coloca todos os consumidores numa mesma loja, mesmo que de forma não-presencial, o ciberespaço nos traz uma banca de jornais única, onde podemos encontrar todos os jornais nela dispostos, uma banca de jornais sem limitações geográficas. Porém, Lévy não fala apenas em questões geográficas, mas também da relação entre produtores, consumidores e intermediários dentro desse novo mercado que surge com a Internet:

Como os produtores primários e os requerentes podem entrar diretamente em contato uns com os outros, toda uma classe de profissionais corre doravante o risco de ser vista como intermediários, parasitas da informação (jornalistas, editores, professores, médicos, advogados, funcionários médicos) ou da transação (comerciantes, banqueiros, agentes financeiros diversos) e tem seus papéis ameaçados. Esse fenômeno é chamado de “desintermediação” (Lévy, 1996:62).

Como vemos, a profissão de jornalista é diretamente citada como intermediária entre o público e a informação. Neste caso, a desintermediação coloca em risco a profissão do jornalista, e explica em parte o porquê do sucesso dos blogs na Internet, pois estes são feitos não só por jornalistas, mas diversos tipos de usuários que utilizam a rede para informar, dar opinião e escrever sobre assuntos diversos. O blogueiro, por exemplo, é o jornalista “desintermediado”, que faz notícia e gera informações diretamente ao público, sem a intermediação da editoria de um jornal. É o consumidor quem faz a notícia. Sobre isso, Lévy expõe:

O consumidor não apenas se torna coprodutor da informação que consome, mas é também produtor cooperativo dos ‘mundos virtuais’ nos quais evolui, bem como agente de visibilidade do mercado para os quais se exploram os vestígios de seus atos no ciberespaço. Os produtos e serviços mais valorizados no novo mercado são interativos, o que significa, em termos econômicos, que a produção de valor agregado se desloca para o lado do consumidor, ou melhor, que convém substituir a noção de consumo pela coprodução de mercadorias ou serviços interativos (Lévy, 1996:63).

O estudioso norte-americano de Tecnologia do MIT (Massachusetts Institute of Technology) Nicholas Negroponte, na obra A vida digital, ratifica os pensamentos de Lévy, refletindo como as novas tecnologias podem substituir muitas funções dos distribuidores de informação. Ele coloca que “(...) a distribuição de átomos é muito mais complexa que a de bits e requer a força de uma empresa gigantesca. Transportar bits, ao contrário, é bem mais simples e, em princípio, capaz de prescindir desses gigantes. Ou quase” (Negroponte, 1995:83). O estudioso enfatiza como grandes marcas comunicacionais, inclusive os grandes jornais, exercem papel fundamental de triagem da informação, são meios de “testar a opinião pública” (Negroponte, 1995:84). Tanto pelas colocações de Lévy quanto de Negroponte, fica evidente que esse processo de desintermediação altera o negócio de distribuição da informação, mas percebemos nas objeções do norte-americano que nada indica categoricamente que ela será total. Como ainda iremos abordar mais adiante neste estudo, a existência de grandes marcas comunicacionais é algo que se faz presente também no mundo da informação digital e da Internet.

Outro filósofo francês, Jean Baudrillard, em sua obra Simulacros e simulação, embora analise a questão da Internet sob outro foco, onde percebe um lado mais obscuro dentro de sua expansão, ainda assim, mesmo que indiretamente, reafirma os argumentos de Lévy sobre a desterritorialização advinda da Internet e, para isso, apóia-se na teoria do estudioso canadense Marshall McLuhan: “Medium is message não significa apenas o fim da mensagem, mas também o fim do medium. Já não há (...) instância mediadora de uma realidade para outra, de um estado do real para outro. Nem os sentidos nem a forma. É esse o significado rigoroso da implosão” (Baudrillard, 1997:108).

O que Lévy entende beneficamente como a “desintermediação”, Baudrillard prefere chamar de implosão, mas de comum entre eles, entendemos que esse fator é algo que coloca em cheque o papel dos produtores e distribuidores (o que inclui os jornais). Afinal, depois da “implosão”, o público estaria quase que em pé de igualdade ou, ao menos, mais próximo desses intermediadores, dentro do processo comunicativo. Neste sentido, Baudrillard vai além. Defende que, após a “implosão” dos meios, os papéis chegam até a se inverter: “A fórmula de McLuhan, Medium is message, que é a fórmula-chave da era da simulação (...) o emissor é o receptor – circularidade de todos os pólos” (Baudrillard, 1997:107). Essa implosão, como analisaremos adiante neste estudo, quando relacionada com o jornalismo, pode ser entendida como a “explosão”, ou o “boom” do jornalismo a partir da web, quando várias empresas, instituições e até indivíduos passaram a veicular informações através da Internet, além do próprio surgimento da blogosfera, adventos que, com a maior inserção de todos na mídia, cada vez mais e mais, tornam-se elementos que compõem a pólvora que explode a dinamite e implode esse segmento do mundo comunicacional, subvertendo-o. A implosão de Baudrillard ratifica o pensamento de McLuhan, quando ele comenta sobre a evolução dos meios. Referindo-se ao cinema, ele diz:

Nos dias atuais, o cinema como que ainda está em sua fase manuscrita; sob a pressão da TV, logo mais, atingirá a fase portátil e acessível do livro impresso. Todo mundo poderá ter seu pequeno projetor barato, para cartuchos sonorizados de 8 mm. cujos filmes serão projetados como num vídeo. Este tipo de desenvolvimento faz parte de nossa atual implosão tecnológica. A dissociação do projetor e da tela é um vestígio do nosso velho mundo mecânico da explosão e da separação de funções, ora em fase de desaparecimento ante a ação da tecnologia elétrica do nosso velho mundo mecânico da explosão e da separação de funções, ora em fase de desaparecimento ante a ação da tecnologia elétrica (McLuhan, 1969:327-328).

McLuhan explica que a implosão é característica da evolução dos meios enquanto eles avançam tecnologicamente e, após a implosão, ele complementa: “Mas agora a implosão elétrica reverteu o processo todo da expansão em fragmentação” (McLuhan, 1969:330). Dessa forma, o processo descrito e vinculado ao cinema pode ser associado à Internet e sua ação sobre outros meios, como o jornal diário, uma vez que hoje assistimos à sua “portabilidade”, ou seja, surgem novas iniciativas no ciberespaço que vão abrindo o leque de atores dentro do palco da notícia (incluindo simples cidadãos conectados, como o blogueiro e também os diversos novos suportes informacionais, os novos gadgets) e, além disso, a fragmentação – diversos novos serviços especializados, sites e publicações sobre os mais diversos temas, de todas as áreas da atividade humana – vão se multiplicando nessa nova era da informação “implodida”. Essas iniciativas que surgem e mesmo as empresas jornalísticas mais tradicionais vão multiplicando as suas funções e nelas se especializando, abrangendo múltiplas novidades, tanto na forma de noticiar quanto no tipo de informação, ampliando públicos antes inatingíveis ou de difícil acesso.

Ora, o internauta não só é parte do “jogo” de criação da informação, mas também, parte do valor dos serviços oferecidos[11]. Em se tratando de webjornais, o internauta tem seu valor e valoriza o produto através da participação ativa na construção da informação, que se dá através de ferramentas que possibilitem a sua interação com a notícia e a informação. E, uma afirmação que podemos relacionar diretamente ao papel dos jornais como um produtor de informação com a questão desse novo mercado, aponta para a virtualização do texto. Lévy expõe: “(...) a virtualização do texto nos faz assistir à indistinção crescente dos papéis do leitor e do autor, também a virtualização do mercado põe em cena a mistura dos gêneros entre consumidor e a produção” (Lévy, 1996:63).

Aqui não cabe mais o sistema onde a informação parte de um centro e se irradia para o público (de poucos para muitos). O público também é parte do movimento, da onda de criação das informações, e essa mudança de papel, a novidade dessa interatividade em relação às mídias tradicionais, é o que expressa Lévy na seguinte passagem:

O “produtor” habitual (professor, editor, jornalista, produtor televisivo) luta assim para não se ver relegado ao papel de simples fornecedor de matéria-prima. De onde a batalha, do lado dos “produtores de conteúdos”, para reinstaurar tanto quanto possível, no novo espaço de interatividade, o papel que eles ocupavam no sistema unilateral das mídias ou na forma rígida das instituições hierárquicas (Lévy, 1996:64).

E, sobre o novo papel dos profissionais no espaço da interatividade, Lévy faz considerações em outra obra sua, Cibercultura:

Numerosas posições de poder e diversos “trabalhos” encontram-se ameaçados. Mas se souberem reinventar sua função para transformarem-se em animadores dos processos de inteligência coletiva, os indivíduos e os grupos que desempenham os papéis de intermediários podem passar a ter um papel na nova civilização, ainda mais importante que o anterior. Em contrapartida, caso se enrijeçam sobre as antigas identidades, é quase certo que ficarão em situação difícil (Lévy, 1999:231).

A desterritorialização, para Lévy, então, vai ser um elemento-chave para essa nova era da comunicação, o que ele intitula de “universal sem totalidade”:

O ciberespaço se constrói em sistema de sistemas, mas, por esse mesmo fato, é também o sistema do caos. Encarnação máxima da transparência técnica, acolhe, por seu crescimento incontido, todas as opacidades do sentido. Desenha e redesenha várias vezes a figura de um labirinto móvel, em expansão, sem plano possível, universal (...). Essa universalidade desprovida de significado central, esse sistema da desordem, essa transparência labiríntica, chamo-a de “universal sem totalidade”. Constitui a essência paradoxal da cibercultura (Lévy, 1999:111).

Sendo um sistema universal, o ciberespaço se constrói sem a mediação de uma instituição central (ou uma pequena porção delas), razão pela qual Lévy o coloca como um sistema “sem totalidade”. Um sistema desses, então, acolhe tanto a reprodução e os modelos midiáticos tradicionais, com suas mensagens (ou não-mensagens) hiperreais – uma das “denúncias” que Jean Baudrillard faz em seus estudos –, quanto as novas expressões da cibercultura e da inteligência coletiva. Assim entendemos o espaço universal sem totalidade: aberto a todas as formas de comunicação e expressão. Da mesma forma que Baudrillard, Lévy faz uso da fórmula de McLuhan, interpretando-a como uma chave que define a Internet como o meio expressivo da cibercultura:

(...) o significado último da rede ou valor contido na cibercultura é precisamente a universalidade. Essa mídia tende à interconexão geral das informações, da máquina e dos homens. E, portanto, se, como afirmava McLuhan, “a mídia é a mensagem”, a mensagem dessa mídia é o universal, ou a sistematicidade transparente e ilimitada. Acrescentemos que esse traço corresponde efetivamente aos projetos de seus criadores e às expectativas de seus usuários (Lévy, 1999:113).

Dentro de um espaço universal e não totalitário, que conecta os usuários diretamente através de uma hierarquia comunicacional “todos-todos”, as iniciativas têm de ser igualmente “não-totais” (apenas irradiadas de um centro), não se limitando a empurrar o conteúdo em direção ao internauta, mas trazendo este para si, para fazer parte de sua criação. E isso se faz não somente colocando informações numa página web, não se faz apenas reproduzindo no meio virtual as mesmas informações dispostas por meios analógicos, como numa simples reprodução do jornal diário impresso na web, se faz através da construção de plataformas que tragam interatividade aos usuários, onde estes participem da criação da notícia, com espaço para debates, conferências etc. (que também permita aos gerenciadores dessas plataformas monitorar os hábitos de seus usuários, interagindo com eles, e buscando, assim, estar sempre em sintonia com estes, satisfazendo-os, saciando suas necessidades informativas, dessa forma, agregando valor ao seu negócio). Espaços que não só permitam ao jornalista propagar a informação, mas, além disso, aproximar esta do público e, também, aproximar o público das fontes de informação. Em suma, no mundo digital, o papel do jornalista não é pura e simplesmente informar, mas também fomentar a informação, o acesso a esta e ao pensamento crítico[12]. Sobre o papel desses novos “mediadores” e das mídias digitais, Lévy complementa:

As tecnologias de comunicação de suporte digital (...) conhecem neste fim de século XX mutações massivas e radicais (...). Como um dos principais efeitos da transformação em curso, aparece um novo dispositivo de comunicação de coletividades desterritorializadas muito vastas que chamaremos “comunicação todos-todos”. É possível experimentar isso na Internet, nos chats (BBS), nas conferências ou fóruns eletrônicos, nos sistemas para o trabalho ou aprendizagem cooperativos, nos groupwares, nos mundos virtuais e nas árvores de conhecimento. Com efeito, o ciberespaço em via de constituição autoriza uma comunicação não mediática em grande escala que (...) representa um avanço decisivo rumo a formas novas e mais evoluídas de inteligência coletiva (Lévy, 1996:112).

Com isso, fica objetivado que no mundo virtual, de interação mútua entre pessoas dispersas por todo globo terrestre, as formas de comunicação, de informação e de notícia não podem apenas privilegiar a informação unicamente, mas devem trazê-las para um novo contexto, um contexto de produção coletiva, que beneficie o coletivo, o todo, e que integralmente faça parte da criação de uma nova consciência, constituinte e construtora da inteligência coletiva. E não basta pensar nisto como uma hipótese futura. Trata-se de fomentar e criar iniciativas que privilegiem a inteligência coletiva a partir de já, pois, apesar de ainda incipiente, o mundo virtual já se apresenta como uma mídia que não pode mais ser deixada de lado[13], uma rede de grande abrangência mundial e em expansão ainda, que não se limita apenas à sua constituição física. Vai além e abrange o crescimento e o surgimento de novas formas de comunicação, novas interatividades e assim tende a ser cada vez mais, como já dizia o próprio Lévy (embora ele tenha sido muito otimista quanto aos prazos de suas perspectivas futuras para este século que se inicia): “A perspectiva da digitalização geral das informações provavelmente tornará o ciberespaço o principal canal de comunicação e suporte de memória da humanidade a partir do início do próximo século” (Lévy, 1999:93).

Fica claro que nesse novo cenário, nesse novo mercado, o jornalismo deve privilegiar as iniciativas coletivas e a interatividade. É evidente que a desterritorialização da notícia e da informação é um processo em andamento que tende a crescer na mesma medida em que o ciberespaço cresce. Tudo isso já está alterando o mundo do jornalismo e o impactará ainda mais, como pretendemos analisar no decorrer deste estudo.

A Fórmula de McLuhan

Em função de os filósofos franceses Pierre Lévy e Jean Baudrillard fazerem uso da fórmula de Marshall McLuhan, “o meio é a mensagem”, para embasarem suas teorias e ambas interpretações falam sobre o novo paradigma que a Internet está trazendo para o mundo da comunicação, devido a tal importância, recorremos à clássica obra Os meios de comunicação como extensões do homem objetivando um entendimento mais profundo desta fórmula. Logo na introdução do livro o autor comenta sobre a sua famosa frase: “‘O meio é a mensagem’ significa, em termos da era eletrônica, que já se criou um ambiente totalmente novo. O ‘conteúdo’ deste novo ambiente é o velho ambiente mecanizado da era industrial. O novo ambiente está reprocessando o cinema. Pois o conteúdo da TV é o cinema” (McLuhan, 1964:11).

Uma reflexão sobre o fato de a TV reprocessar o cinema, as diversas outras mídias que reprocessam suas predecessoras e também reprocessam as demais mídias com que interagem, nos remete ao fato de a Internet igualmente reprocessar a TV e as demais mídias, algo que se pode relacionar com ambas as teorias de Baudrillard e Lévy. É fácil compreender, pelo que estudamos até aqui, que a Internet, ao mesmo tempo em que se expande, absorve os elementos das velhas mídias. Encontramos na web desde os velhos jornais impressos reproduzidos digitalmente até as novas iniciativas peculiares do webjornalismo que estão reprocessando o tradicional jornalismo: a superioridade do hipertexto sobre o texto, do suporte dinâmico sobre o estático, a desterritorialização do texto e a desintermediação do jornalista, como vimos. Exemplos que encontramos na Internet hoje em dia nos mostram isto na prática, em ferramentas tais como: podcast, RSS e TV peer to peer, para citar apenas alguns exemplos básicos, são fórmulas que, respectivamente, reprocessam o texto jornalístico, o áudio e a própria TV. O texto jornalístico que utiliza a palavra escrita; o áudio que é o elemento fundamental do rádio; e a TV que utiliza a imagem, que por sua vez é uma característica do cinema, e utiliza também o áudio, característica do rádio; agora são todos elementos reprocessados pela Internet, fato que, segundo McLuhan, é uma característica da evolução dos meios: “Toda tecnologia nova cria um ambiente que é logo considerado corrupto e degradante. Todavia o novo transforma o seu predecessor em forma de arte” (McLuhan, 1964:12).

A palavra reprocessar pode nos levar a duas interpretações, a primeira é a que acabamos de comentar, e a segunda seria o fato de ela também fazer uso do que já era processado, remodelando-o ao novo meio, a mesma mensagem replicada em novos meios. Afinal, a mensagem busca o seu formato de acordo com o meio, conforme entendemos pela fórmula de McLuhan, mas, na construção de sua peculiar forma de transmitir a mensagem, cada novo meio que surge utiliza-se dos e também fortifica os demais meios existentes: “O ‘conteúdo’ de um meio é como a ‘bola’ de carne que o assaltante leva consigo para distrair o cão de guarda da mente. O efeito de um meio se torna mais forte e intenso justamente porque o seu ‘conteúdo’ é um outro meio” (McLuhan, 1964:33). Nenhum meio existe sem depender do outro: “(...) nenhum meio tem sua existência ou significado por si só, estando na dependência na constante interrelação com os outros meios” (McLuhan, 1964:42). Assim, grande parte do conteúdo da Internet é o conteúdo de outros meios, como exemplificamos, o jornal, o rádio e a TV. Esta reflexão de McLuhan vai ao encontro do que expõe Beth Saad em relação ao cenário midiático atual, quando ela afirma que “as novas mídias não surgem de forma espontânea e independente, mas, sim, de uma metamorfose[14] das velhas mídias, que, por sua vez, não morrem, mas evoluem e se adaptam às transformações” (Saad, 2003:56), o que a autora entende como conceitos de “coevolução e coexistência das comunicações” (Saad, 2003:56).

McLuhan ainda nos fala das extensões do homem, a mídia como extensão comunicacional com seus diversos meios. Ele mostra que a inteligência coletiva – defendida por Lévy como a expressão peculiar da Internet como meio comunicacional – é fator presente no mundo da tecnologia elétrica, como expressa o autor, e também atualmente, quando pensamos na informação que, além de elétrica, é também binária:

Estamos nos aproximando da fase final das extensões do homem: a simulação tecnológica da consciência, pela qual o processo criativo do conhecimento se estenderá coletiva e corporativamente a toda a sociedade humana, tal como já se fez com nossos sentidos e nossos nervos através dos diversos meios e veículos. Se a projeção da consciência – já antiga aspiração dos anunciantes para produtos específicos – será ou não uma “boa coisa”, é uma questão aberta às mais variadas soluções (McLuhan, 1964:17).

McLuhan fala que o processo criativo do conhecimento se expandirá coletivamente, tanto para as corporações quanto para a sociedade e seus indivíduos. Ora, essa nova consciência coletiva nada mais é do que uma outra interpretação do que vimos ser a inteligência coletiva, como nos apontou Lévy. Business Inteligence, apenas para citar um exemplo, é um conceito corporativo tecnológico que está modificando a forma das corporações trabalharem, uma forma de expressão da inteligência coletiva, a coletividade elétrica e binária, no mundo empresarial. A cibercultura é a expressão da sociedade com seus indivíduos conectados frente à inteligência coletiva que advém das novas mídias digitais interativas deste mundo eletro-binário. Como vimos, a citação de McLuhan mostra que já estamos vivendo a atualidade da “fase final das extensões do homem” e, dessa forma, estamos assistindo a novas expressões da inteligência coletiva que surgem e vão modificando a nossa vida dia após dia.

Em capítulo de sua obra, intitulado não por acaso de “O meio é a mensagem”, temos a explicação do que significa essa fórmula pelas palavras do próprio McLuhan. A primeira citação da fórmula aparece logo na primeira frase do capítulo: “Numa cultura como a nossa, há muito acostumada a dividir e estilhaçar as coisas como meio de controlá-las, não deixa, às vezes, de ser um tanto chocante lembrar que, para efeitos práticos e operacionais, o meio é a mensagem” (McLuhan, 1964:21). Mas enfim, qual é esse efeito prático? Em relação à Internet e os demais meios, qual seria esse efeito? Como vimos, Baudrillard afirma que a Internet implode com todos os meios. McLuhan antecipa a fala do francês quando diz que “a aceleração da velocidade da forma mecânica para a forma elétrica instantânea faz reverter a explosão em implosão” (McLuhan, 1964:53). Essa implosão pode ser entendida também quando McLuhan fala da fragmentação: “A reestruturação da associação e do trabalho humanos foi moldada pela técnica de fragmentação, que constitui a essência tecnológica da máquina” (McLuhan, 1964:21). Os novos meios eletrônicos, baseados em máquinas computacionais, implodem os demais meios, levando-os à fragmentação. Estes precisam buscar as suas peculiares formas de veicular a mensagem como, dentre eles o velho jornal, deixando de se alimentar apenas dos outros meios, buscando o que seria, como sugere McLuhan em passagem anterior, a sua “arte”. Ao mesmo tempo, a binarização que advém da Internet e dos novos meios eletrônicos digitais absorve toda aquela mensagem e a reprocessa; ou seja, a Internet transmite as mensagens que eram do jornal, do rádio e da TV com novas características, as características próprias do novo meio, a interatividade de um meio comunicacional todos-todos que, voltando ao nosso exemplo, levaria a um jornalismo mais compartilhado, comunitário, o jornalismo não mais necessariamente totalizado apenas por grandes instituições, mas feito também por aqueles que com estas interagem, e também entre si. Nesse caso, a implosão da comunicação questionada por Baudrillard estaria relacionada ao fato de as velhas mídias se modificarem em função da Internet, sendo esta uma mídia que expressa a inteligência coletiva, a universalidade, como bem colocam tanto McLuhan quanto Lévy, características que aumentam ainda mais as extensões comunicacionais do homem, estendem o jornalismo a uma parte maior da humanidade, assim como todo o mundo comunicacional. A Internet, ao mesmo tempo em que fragmenta as demais mídias, recria a própria mídia a partir desses fragmentos e projeta-os dentro do universal. Não é preciso fazer um profundo estudo para perceber que a Internet permite inúmeras novas modalidades de prática jornalística, muitas das quais pretendemos analisar, e tal maleabilidade do novo meio traz consigo uma ampla gama de novos sites noticiosos, portais informativos especializados nos mais diversos assuntos e modalidades informativas, uma fragmentação que pode ser entendida pelo que foi exposto nas palavras de McLuhan, pela questão da desintermediação e da desterritorialização apontada por Lévy e, finalmente, pela “implosão” comunicacional denunciada por Baudrillard.

Enfim, McLuhan desvenda parte de sua fórmula: “‘O meio é a mensagem’, porque é o meio que configura e controla a proporção e a forma das ações e associações humanas” (McLuhan, 1964:23). A importância do meio, como entendemos, está no fato deste configurar a mensagem por ele emitida: o impacto e a abrangência da mensagem sobre os receptores dependerá, assim, do meio utilizado. O meio configura a mensagem entre emissores e receptores, como intermediadores de ações e associações do Homem. Sendo assim, percebemos que a Internet – com as suas novas características interativas – tem a capacidade de aumentar radicalmente essa extensão comunicativa do Homem, permitindo novas associações que irão gerar, e já o fazem em diferentes graus, novas ações. Essas novas ações passam, como vimos, pela nova cultura midiática, a cibercultura, e também pela extensão de velhas culturas da mídia, como o jornal, o rádio e a TV.

McLuhan relaciona a sua própria fórmula com o movimento cubista. Segundo o autor, é o movimento artístico cubista que delata a existência de sua fórmula:

Ao propiciar a apreensão total instantânea, o cubismo como que de repente anunciou que o meio é a mensagem. Não se torna, pois, evidente que, a partir do momento que o seqüencial cede ao simultâneo, ingressamos no mundo da estrutura e da configuração? (...) Os segmentos especializados da atenção deslocaram-se para o campo total e é por isso que agora podemos dizer, da maneira a mais natural possível: ‘O meio é a mensagem’ (McLuhan, 1964:27).

Além de delatar o cubismo como uma expressão artística que possui as características dos novos meios digitais interativos, a passagem acima também delata os embasamentos das teorias de Lévy. Nesta passagem, McLuhan fala da substituição do seqüencial pelo simultâneo e do deslocamento das atenções para o total, elementos que embasam o universal sem totalidade, um dos pontos-chave das teorias de Lévy em relação à Internet que, podemos dizer, são reveladas por McLuhan nesta associação de sua fórmula com o cubismo. Neste caso, a Internet seria uma expressão midiática, na forma de um novo meio, correspondente ao mundo da estrutura e da configuração. E, justamente por sua estrutura comunicacional ser aberta à comunicação universal sob diferentes configurações, vai permitir o deslocamento da atenção de seus usuários para o todo, e esse todo seria, então, o universal não-totalitário comentado por Lévy. Um dos elementos que, segundo a análise das teorias do francês, poderiam libertar o mundo comunicacional da rigidez dos antigos meios. Porém não podemos abrir mão do fato desses novos meios se apropriarem das características dos velhos meios, como vimos, e a ênfase que o próprio McLuhan dá ao fato das novas configurações midiáticas estarem abertas tanto às novas expressões da coletividade, quanto às novas possibilidades de exploração desse novo mundo universalizado pelas velhas fórmulas do “antigo” mundo midiático (que não é totalmente antigo, pois ainda coexiste com o novo).

A instantaneidade e simultaneidade mencionadas por McLuhan são fatores que remetem à mídia do “mundo elétrico” apontado pelo autor, em que a comunicação, ao eletrificar-se, ganha as características de velocidade da luz, refere-se a toda era contemporânea da comunicação, quando esta é mediada também por diversos aparatos eletrificados – dos eletrodomésticos até, na atualidade, os computadores – o rádio e a TV em conjunto com várias tecnologias eletrônicas que vão até o satélite e, hoje, também através das redes computacionais, carregando mensagens de forma instantânea e simultânea. Esses dois fatores que McLuhan relaciona à sua fórmula, instantaneidade e simultaneidade, são característicos da comunicação que ganhou força a partir da era da rádio-transmissão e que perduram até hoje com uma capacidade maior de conectividade, ganhando ainda mais força através das redes inteligentes de comunicação que quebram a seqüencialidade que, dentro de um contexto midiático menos rígido como a Internet, pode ser entendida como um obstáculo à Comunicação – a própria rigidez desses meios antigos. Esse novo meio é quem ditará as novas expressões, as novas mensagens, com todas as características midiáticas que possui, englobando, inclusive, as características que pertencem às mídias tradicionais, dentro da atualidade comunicacional.

McLuhan e a Imprensa

Ainda na obra Os meios de comunicação como extensões do homem, Marshall McLuhan faz algumas explanações sobre a imprensa. Como as explanações do filósofo canadense costumam ser paradigmáticas, tanto que embasam diversos estudos comunicacionais, vamos dar uma olhada e refletir sobre algumas importantes passagens suas sobre esse peculiar meio midiático.

Numa das primeiras colocações sobre a imprensa, McLuhan diz: “Mas a imprensa de tipos móveis foi, por si mesma, o maior limite de ruptura na história da leitura fonética, assim como o alfabeto fonético foi o limite de ruptura entre o tribal e o homem individualista” (McLuhan, 1969:58). Como vimos, Pierre Lévy fala nesse contexto do surgimento do “primeiro mundo virtual”, a escrita; já McLuhan fala da ruptura causada pelo tipos móveis. Ora, se a capacidade de aumentar a produção escrita representa uma ruptura dentro da humanidade, cremos que a adição do hipertexto dentro desse mundo dos tipos móveis também representa uma ruptura e, além disso, a ampliação dessa capacidade de ler e escrever. O que representa essa “ruptura” do texto para o hipertexto dentro da sociedade atual é algo que ainda se faz necessário estudar. A nós vale tentar entender o que isso representa em relação aos tradicionais jornais diários impressos.

McLuhan fala da fragmentação causada pela imprensa: “A imprensa (...) expandiu a expressão no sentido da simplificação e da ‘exorcização’ ou decifração do significado. A imprensa acelerou e fez ‘explodir’ o manuscrito condensado em fragmentos mais simples” (McLuhan, 1969:358). Como vemos, uma das causas da ruptura causada pelo surgimento dos tipos móveis e do crescimento das empresas que desses se utilizam, a imprensa, acaba por fragmentar-se. Se a Internet representa uma nova ruptura, a tendência é que esse processo se intensifique ainda mais, o que se pode observar no plural de iniciativas que surgem através da web e dos novos serviços e informações dispostos nos sites noticiosos, inclusive naqueles de grandes empresas jornalísticas tradicionais.

Sobre o impacto dos meios, McLuhan comenta a respeito da invenção do telégrafo: “Em 1848, o telégrafo, então com apenas quatro anos de idade, obrigou vários dentre os maiores jornais americanos a se organizarem coletivamente para a criação de notícias. Essa iniciativa se tornou a base da Associated Press” (McLuhan, 1969:285). Se o telégrafo obrigou a imprensa a reorganizar-se em torno dele, hoje a Internet faz o mesmo, e assistimos a esses órgãos de imprensa se engendrando no novo meio, procurando englobar os novos serviços e recursos que a tecnologia digital oferece. Não podemos esquecer que essas tecnologias digitais, que formam não só a Internet, mas que baseiam também uma miscelânica variedade de dispositivos (tais como celulares e handhelds), têm como alicerce a tecnologia binária do computador. Embora nos idos de 1960 o computador fosse apenas um projeto em desenvolvimento, McLuhan já percebia a sua potencialidade; em primeiro lugar, ele comenta sobre sua capacidade binária de tudo abraçar: “(...) o computador digital com suas inúmeras seleções de tipo sim-não, tudo isto implica em acariciar os contornos de todas as coisas pelos múltiplos toques desses pontos” (McLuhan, 1969:279), e complementa:

Hoje os computadores parecem prometer os meios de se poder traduzir qualquer língua em qualquer outra, qualquer código em outro código – e instantaneamente. Em suma, o computador, pela tecnologia, anuncia o advento de uma condição pentescostal de compreensão e unidade universais. O próximo passo lógico seria (...) superar as línguas através de uma consciência cósmica geral, muito semelhante ao inconsciente coletivo (McLuhan, 1969:99).

Como vemos, McLuhan já preconizava a fala de Pierre Lévy a respeito da universalidade gerada por tal capacidade maquinária do Homem e, além disso, atribuía a instantaneidade ao meio que, hoje, através da capacidade comunicacional dos computadores em rede, assistimos tornar-se uma realidade. Essa capacidade do computador pode ser relacionada com outra afirmação de McLuhan: “A Imprensa forneceu uma memória enorme e nova para os escritos do passado, tornando a memória pessoal inadequada” (McLuhan, 1969:199). O que pensar da memória fornecida pelo computador? Hoje, podemos pesquisar as notícias antigas dentro do site de um jornal com a facilidade do clique do mouse, o que amplifica de forma imensurável essa capacidade de memória (tanto que muitas instituições jornalísticas e informativas já utilizam seus acervos como valor de negócio). Se antigamente a data do jornal era o que o diferenciava as suas edições – de acordo com o que diz McLuhan: “(...) a data é o único princípio organizativo da imagem jornalística da comunidade. Elimine-se a data e o jornal de um dia se torna igual ao do dia seguinte” (McLuhan, 1969:240) –, hoje ela representa uma chave-primária de pesquisa dentro da memória jornalística que se estende através dos dados armazenados nas informações acessíveis através da Internet.

Outra afirmação de McLuhan suscita reflexões sobre a chegada da Internet, os serviços que nela hoje se oferecem e o seu impacto dentro do mundo jornalístico. Diz o canadense: “Os anúncios classificados (e as cotações de mercados e títulos) constituem o alicerce da Imprensa” (McLuhan, 1969:235). A questão que paira no ar depois de tal afirmação é: a Internet não estaria solapando esses serviços, dado que nela encontramos sites especializados nesses recursos e com facilidades que um jornal impresso é incapaz de fornecer? Mesmo os tradicionais jornais hoje estendem esses serviços para Internet, meio que oferece maiores facilidades para esse tipo de informação.

Por fim, McLuhan fala sobre os computadores e, em sua afirmação, nos remete ao temor denunciado por Jean Baudrillard, de que o processo de simulação da consciência gerada por essa nova capacidade processual se transforme na arma dos publicitários na contemporaneidade e, além disso, a ferramenta que destruiria de vez o já fragmentado significado dentro do processo comunicacional: “(...) os computadores (...) obviamente, eles podem chegar a simular o processo da consciência, assim como a rede elétrica global já começa a simular as condições de nosso sistema nervoso central (...) o sob medida supera o produto em massa” (McLuhan, 1969:394). Sendo esse processo de simulação a nova arma dos publicitários e a publicidade uma das vilãs dentro da crise ética por que passa o jornalismo (como veremos mais adiante), dado que as relações entre jornalismo e publicidade são cada vez mais estreitas, o temor de Baudrillard pode não ser totalmente injustificado. O que talvez McLuhan tenha previsto erroneamente é a superação do produto sob medida sobre o produto de massa. Hoje, essa primeira instância tem nome próprio e, como é tradicional nos jargões publicitários, em inglês: on demand. Está aí algo não precisamente previsto por McLuhan. Atualmente, escoltados com a inteligência e os dados binários armazenados, somos capazes de produzir sob medida em massa, desde a publicidade que chega via e-mail e cumprimenta o usuário pelo nome, passando pelo carro que podemos encomendar via web com todos os acessórios e modificações que queremos, e finalmente, chegando a uma infinidade de produtos, serviços e informações impossíveis de serem quantificadas.

A Galáxia da Internet

A expressão “Galáxia da Internet”, título da obra do estudioso espanhol Manuel Castells, é, na verdade, uma analogia do autor ao título da famosa obra de McLuhan A Galáxia de Gutenberg. Dessa forma, já é a partir do título desse estudo que o espanhol revela que a Galáxia da Internet nada mais é do que a extensão ou ampliação da Galáxia de Gutenberg, agora não mais somente através da impressão tipográfica, mas também pelos “tipos binários”, ou seja, de toda informação digital que hoje se espalha através da Internet. Em poucas palavras, o autor reafirma muito do que estudamos com base nos estudos de Lévy e McLuhan, sobre o que a chegada e a expansão da Internet significam para o mundo comunicacional:

As redes eram fundamentalmente o domínio da vida privada; as hierarquias centralizadas eram o feudo do poder e da produção. Agora, no entanto, a introdução da informação e das tecnologias de comunicação baseadas no computador, e particularmente a Internet, permite às redes exercer sua flexibilidade e adaptalidade, e afirmar assim a sua natureza revolucionária (Castells, 2001:7-8).

A passagem acima é parte da introdução de sua obra. Já nas considerações finais, o autor expõe:

A Galáxia da Internet é um novo ambiente de comunicação. Como a comunicação é a essência da atividade humana, todos os domínios da vida social estão sendo modificados pelos usos disseminados da Internet (...). Uma nova forma social, a sociedade em rede, está se constituindo em torno do planeta (...) sob uma diversidade de formas e com consideráveis diferenças em suas conseqüências para a vida das pessoas, dependendo de história, cultura e instituições (Castells, 2001:225).

Como vemos, o mundo da comunicação está sendo “revolucionado” pela Internet e, dentro dele, as empresas jornalísticas, que há séculos estão inseridas no palco comunicacional, integram e são parte dessa revolução. Ou, até, em alguns casos (como veremos), sofrem para se adaptar ou mesmo se colocar dentro dessa revolução.

Enquanto os autores que mencionamos anteriormente fazem uma análise mais filosófica sobre a Internet, Castells procura embasar suas teorias em fatos que se dão através da grande rede e na própria história do meio.

Quando Pierre Lévy fala em “projetos de seus criadores”, em passagem que associa a Internet ao meio da universalidade, refere-se às tecnoelites que participaram do desenvolvimento inicial da grande rede, que inclui hackers[15], comunidades de desenvolvedores e, inclusive, empresários. Castells define essas tecnoelites como primordiais no desenvolvimento da cultura da Internet, uma cultura que ele define como tecnomeritocrática: “Trata-se de uma cultura da crença no bem inerente ao desenvolvimento científico e tecnológico (...) numa relação de continuidade direta com o Iluminismo e a Modernidade” (Castells, 2001:36). Foi a cultura explorada por essas elites no desenvolvimento inicial da grande rede que nela enraizaram suas características até hoje fundamentais para o sucesso e o desenvolvimento da Internet, onde “A pedra angular de todo processo é a comunicação aberta do software” (Castells, 2001:37). Se Lévy nos fala da Internet como meio da universalidade, em parte isso segue os anseios das comunidades hackers que participaram dos primeiros estágios de criação da rede, uma “cultura de convergência entre seres humanos e suas máquinas num processo de interação liberta. É uma cultura de criatividade intelectual fundada na liberdade, na cooperação, na reciprocidade e na informalidade” (Castells, 2001:45). Assim, fica entendido que, dentro da universalidade não totalitária, como explica Lévy, os valores mencionados acima são características fundamentais da Internet: liberdade, cooperação, reciprocidade e informalidade.

Se para McLuhan o “meio é a mensagem”, para Castells “a rede é a mensagem” (Castells, 2001:65). É assim que o espanhol define a nova economia baseada nos negócios eletrônicos. Como vimos com Lévy, a Internet está alterando o mundo dos negócios e, seguindo a lógica da frase acima, Castells expõe que o novo modelo de negócio nela baseado “(...) permite escalabilidade, interatividade, administração da flexibilidade, uso de marca e customização num mundo empresarial em rede” (Castells, 2001:56). Em referência aos grandes portais, um dos objetos deste estudo, o espanhol afirma que eles “(...) valem-se ainda mais (...) da possibilidade de organizar a administração, a produção e a distribuição na Internet (citando Anthony Vlamis e Bob Smith. Do you: Business the Yahoo! Way. Milford: CT: Capstone, 2001). Na verdade, há uma mudança na cadeia de valor da indústria do comércio eletrônico para os sistemas de distribuição de informação em detrimento do valor da própria informação” (Castells, 2001:65). Essa afirmação, paradigmática, explica em parte a presença de grandes empresas comunicacionais, como os tradicionais meios impressos, dentro da grande rede em associação a grandes portais informativos ou no comando de seus próprios portais, pois, como colocou o ibérico, estão atreladas ao novo modelo de negócio através da Internet. O importante é fornecer informação, e quanto mais, melhor, independente da qualidade e do valor dessas informações, numa forma de abraçar os novos públicos que hoje buscam conteúdo, entretenimento e serviços via web. Essa última frase também pode ser entendida através da interpretação da famosa frase de McLuhan por Castells (“a rede é a mensagem”), segundo uma menção à mesma por parte do professor doutor em Ciências da Comunicação Caio Túlio Costa (ECA/USP), que diz: “Se o meio é a mensagem, então a rede também passa a ser a mensagem. Estar em rede seria mais determinante do que usar a rede para essa ou aquela causa” (Costa, 2008:282). Isso demonstra a importância, em primeiro lugar, de estar na Internet, independentemente de como, e, uma maneira de estar presente, é tentar estar onipresente em tudo que a web oferece, ou seja, abraçando tudo que for possível. Daí a fome de conteúdo que vários portais e sites informativos demonstram na sua inserção no novo meio.

Outra palavra-chave neste novo modelo de negócios dentro da Internet é a inovação que, segundo Castells “(...) é uma função de trabalho altamente especializado e da existência de organizações de criação de conhecimento” (Castells, 2001:85). A inovação confere vantagem competitiva a quem a implanta e a adota: “Uma vez gerada a inovação (...) sua aplicação confere uma vantagem competitiva aos que participaram no processo (...) eles são os primeiros a adotar (...) aprender (...) sabem melhor que tipos de produtos e processos podem ser desenvolvidos a partir desse caminho de inovação” (Castells, 2001:86). Essa colocação também explica o fato de os portais informativos objetivarem estar sempre sincronizados com as novidades do mercado, oferecendo produtos e serviços atrelados às novas tecnologias que vão surgindo, tanto na área de softwares como, por exemplo, um grande portal que disponibiliza servidores aos seus assinantes para que eles possam jogar em rede a última versão do mais novo e sensacional game tri-dimensional, quanto na área de hardwares onde, por exemplo, o usuário pode baixar skins, trilhas sonoras, ou atualizar a informação, via web, de seu handheld ou smartphone, ou então, simplesmente mandar um torpedo para um celular qualquer através do site. Essa lógica, segundo Castells:

(...) permeia toda a indústria de serviços on-line, uma vez que os portais dão acesso a informações e serviços, como uma maneira de vender publicidade e obter informação que possa ser reutilizada para fins de marketing. Nesse lógica, os compradores são produtores, já que podem fornecer informação crítica por seu comportamento, e por suas demandas, ajudando constantemente as companhias eletrônicas a modificar seus produtos e serviços (Castells, 2001:86).

Assim, fica claro como a participação do público é fundamental dentro da nova era da informação, e entende-se a importância da afirmação de Lévy quando ele afirma que o “usuário é coprodutor da informação dentro do ciberespaço”. Em termos de valor de negócio, segundo Castells, é mesmo. Assim, entende-se que as empresas que buscam prosperar dentro da Internet devem entender e observar os gostos de seus públicos e, como se explicita pela citação acima, a Internet e a tecnologia computacional são ótimas ferramentas para o monitoramento dos hábitos dos usuários, dos consumidores. Para o jornalismo, permite uma melhor sintonia entre editorias e jornalistas com os seus públicos e se coloca como um meio, tanto de atingir mais públicos, como de melhor satisfazer às necessidades dos seus já conquistados públicos, além de servir como amparo dinamizador à profissão (como veremos com mais profundidade no Capítulo II). Quem também expõe esse fato é a comunicóloga Beth Saad, que relaciona o papel do usuário com o valor da informação jornalística através da Internet. Saad afirma que “também emerge com destaque o papel do usuário, ou seja, o conhecido leitor, agora equipado com seu arsenal particular de informática e telecomunicações que tem o poder (...) de selecionar conteúdos, as informações, os serviços, as notícias que lhe interessam” (Saad, 2003:60). E complementa: “(...) quanto mais próxima dos interesses pessoais do usuário, mais valor tem essa informação” (Saad, 2003:61). Além do valor da informação estar diretamente atrelado ao usuário, o processo comunicacional outrora monopolizado pelas empresas de mídia agora sofre com a interferência desse novo ator, o que fica claro quando Saad expõe que “o domínio do processo produtivo fica mais fragilizado com a interferência ativa e muito próxima do usuário” (Saad, 2003:60). Daí podermos extrair a compreensão desse novo momento comunicacional como um movimento de ruptura que leva à crise alguns dos meios mais tradicionais, como o jornal impresso, como veremos mais adiante.

Uma das características desta nova “Galáxia da Internet” está no crescimento da inteligência em diversos níveis, desde a eficiência dos novos sistemas interconectados, dos computadores, até a contribuição das pessoas individualmente, ou estas se organizando de diversas novas formas – a própria inteligência coletiva. Nicholas Negroponte faz diversas considerações sobre a inteligência do novo mundo conectado, que descreve na obra A vida digital, e as relaciona também com os jornais. A primeira pergunta que o estudioso se faz é se “a peculiaridade de um veículo pode ser transportada para outro” (Negroponte, 1995:25). E, sobre a questão das diferenças físicas e interativas dos meios, afirma:

Um jornal também é produzido tendo toda inteligência do lado do transmissor. Mas, como veículo, o papel em formato grande propicia algum alívio ante à “mesmice” da informação, uma vez que o jornal pode ser consumido em diferentes momentos e de diferentes formas. Nós folheamos, dobramos suas páginas guiados por manchetes e fotos, cada um tratando de um modo bastante diverso os bits idênticos enviados a centenas de milhares de pessoas. Os bits são os mesmos, mas a experiência da leitura é diferente (Negroponte, 1995:25) [16].

Embora a Internet não tenha a portabilidade de um jornal impresso, percebe-se que o ponto mencionado por Negroponte, a experiência de leitura, se assemelha e vai além do que já nos propiciava o jornal em relação a outras mídias (o rádio e a TV), sobretudo no momento atual, quando a informação, cada vez mais, se espalha por diferentes meios e modos de interação proporcionados pelas novas tecnologias que nos abraçam dia-a-dia e que vão além da web. Dentro deste novo contexto tecnológico, as reflexões de Negroponte seguem a mesma direção das ponderações de Lévy, Castells e até mesmo McLuhan, onde a informação se fragmenta e se personaliza:

A resposta está na criação de computadores que filtrem, classifiquem, estabeleçam prioridades e gerenciem os múltiplos veículos, a multimídia, para nós – computadores que leiam jornais, assistam à televisão e que ajam como editores quando solicitados. Esse tipo de inteligência pode alojar-se em dois lugares distintos.

Ela pode estar do lado do transmissor e comportar-se como se você tivesse seu próprio time de redatores – como se o New York Times estivesse publicando um jornal único, feito sob medida para seus interesses. Nesse primeiro exemplo, um pequeno subconjunto de bits foi selecionado especialmente para você. Esses bits são filtrados, preparados para você, talvez para serem impressos na sua casa, ou para serem vistos de modo mais interativo, com auxílio de um aparelho eletrônico.

Num segundo exemplo, seu sistema editor de notícias está no receptor, e o New York Times transmite uma quantidade enorme de bits (...) dentre as quais seu aparelho seleciona umas poucas, dependendo dos seus interesses, hábitos ou planos para o dia em questão. Nesse caso, a inteligência está no receptor, e o idiota do transmissor está enviando os bits todos para todo mundo, indiscriminadamente (Negroponte, 1995:25-26).

Enfim, Negroponte conclui que ambas as fórmulas deverão ser encontradas na vida digital. Mas a inteligência do transmissor/receptor e a fragmentação não são os únicos pontos que alteram o cenário da informação que concerne também aos jornais impressos. A sua profundidade é algo que cresce com as redes e novas tecnologias, como evidencia a seguinte afirmação:

No mundo digital, o problema do volume versus profundidade desaparece, de modo que leitores e autores podem mover-se com maior liberdade entre o geral e o específico. Na verdade, a idéia de “querer saber mais sobre o assunto” é parte integrante da multimídia, e está na base da hipermídia (Negroponte, 1995:71).

A maior profundidade proporcionada pela informação em rede, além do que escreve o norte-americano, é algo notório na Internet, meio que permite a conectividade de diversas empresas de mídias, inclusive com seus usuários e de todos entre si. Hoje, é fácil notar isso em qualquer meio, seja na TV, no rádio, em jornais ou revistas, que convidam o público para “saber mais sobre o assunto” através de informações adicionais que dispõem em seus sites. Isto, somado ao que o público pode encontrar por conta própria navegando na web, nos permite afirmar que a Internet é o meio atual de maior profundidade informativa.

 


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