Talento na periferia

Fundador do Teatro Expressão Sol (Tesol), o peruano Daniel Diez luta para conseguir mais recursos e investir no seu trabalho de formação de resgate da cidadania*

“Ano de 2001. Primeira peça do grupo do teatro Tesol, o Teatro Expressão Sol, com sede em Taboão da Serra, município localizado na zona Sudoeste da Grande São Paulo. O vendedor de salgados caseiros José Maria Trindade participa pela primeira vez de uma montagem. “Tudo que precisava fazer era cruzar o palco. Quando dei os primeiros passos em cena, senti a vibração do público. Era tanto prazer de estar ali que cheguei do outro lado transformado”, diz o ator. Naquela época, Trindade foi um dos nove moradores da periferia que o peruano Daniel Diez, 57 anos, resgatou dos problemas da rua para o amor de encenar.
Com a intenção de formar um núcleo de teatro amador, Diez deixou o Peru e veio ao Brasil em 1990. Para se sustentar e conseguir realizar o sonho que o fez vir pra essa terra, o peruano vendia óleo comestível. “Não era só o grupo que formei que passava dificuldades, eu também estava numa fase financeiramente muito difícil. Por isso, todos se ajudavam e se fortaleciam para conseguir ter garra para trabalhar no dia-a-dia”, completou. Nessa época, ele conheceu Trindade no bairro de Santo Amaro, onde ambos comercializavam seus produtos. A ambição da dupla foi tanta que em apenas dois meses apareceram outras pessoa interessadas no trabalho com o teatro.
Para a população de Taboão da Serra, o Tesol representa mais do que um grupo de teatro amador. É um núcleo de lazer e difusão cultural, que também agrega moradores de outras regiões periféricas de São Paulo. Além disso, de acordo com o próprio mentor do grupo, o trabalho com o teatro conseguiu também resgatar jovens da marginalidade. Graças ao Tesol, muitas pessoas têm sido ajudadas. É o caso de Luciana Rodrigues, 22, ex-integrante do elenco, que conseguiu retomar os estudos e receber seu primeiro prêmio de artes cênicas, o Taboarte. “Estava cansada de tanto que minha mãe brigava comigo por eu ter trocado a escola pra ficar na rua com a minha galera. Até que um dia ela descobriu que fumava maconha e pediu pra que Diez me convencesse a trabalhar com ele. Foi a partir daí que a minha vida mudou pra muito melhor! Agradeço muito a ele por tudo que me fez” afirmou Luciana, que faz faculdade de desenho industrial em Minas Gerais.
Há 15 anos, quando chegou no Brasil, talvez Diez não imaginasse que além da sua vocação teatral, se transformaria em importante agente social. Começou tarde sua carreira artística. Só se inseriu nesse meio após largar seus estudos de engenharia agronômica em Lima, Peru, em 1960. Tudo começou depois de um convite para participar em uma peça que estava sendo preparada na universidade onde estudava.
Assim, seguiu seus estudos, dessa vez no teatro. Um grande interesse pelo Brasil, que chama de caldeirão cultural, fez com que viesse conhecer o país. Mal sabia que se apaixonaria pela bonequeira Vera Lucia Ferreira, hoje sua esposa, que o ajudou na criação do Tesol. “Senti que o caminho era trabalhar com jovens e constituir uma sede comunitária, como se fossemos uma grande família”, completou Lucia.
Em 1977, o Tesol produz seu primeiro espetáculo com a peça As Incelenças, atuada por moradores de Taboão. No ano seguinte, Edson Lopes, mais conhecido como palhaço Lagartixa, se integra ao grupo. Edson, Daniel e Vera lançam a peça Esquetes de Palhaço, como o Trio da Alegria. Depois do primeiro espetáculo circense, outras peças cômicas continuaram até 1989.
A partir de 1990, o trio começa a ganhar prêmios em diversos festivais e participa do Mapa Cultural Paulista – concurso estadual de teatro. Quatro anos mais tarde, Diez produz a peça Rosas de Hiroshima, que fica em cartaz durante dois anos e faz uma temporada pelos teatros do Bexiga, reduto teatral localizado no centro da cidade. Nos anos que se seguiram, outros sucessos levaram a assinatura do Tesol, como A Luz Negra e Um Destino Cruel (1989/1991), a Falecida Senhora Sua Mãe (1993/1994) e Um Vírus Entre Nós – peça para conscientização sobre a Aids (1994/1995).
O trabalho de Diez parece não ter fim e sua vontade de produzir peças fez com que avançasse anos após anos em suas obras. Clássicos como O Canto do Cisne, Morte e Vida Severina e Um Pedido de Casamento foram apresentados ao público e, em 2002, o Tesol participou pela primeira vez do Festival Nacional de Teatro Universitário.
Desde janeiro de 2005, o grupo conseguiu por meio da parceria com a Secretaria de Educação e Cultura de Taboão da Serra e com a de São Paulo, trazer um monitor semanalmente para ministrar as aulas de teatro no período de seis meses. As peças que o grupo vem trabalhando são Os Escravos, A Casa da Bernarda Alba e A Luz de Carlota.
Apesar do sucesso, os recursos que os atores têm são precários. Daniel Diez conta apenas com pouco dinheiro cobrado pelo ingresso das peças – um real por espetáculo – dividido entre os atores e o Tesol. Por enquanto, o elenco já tem sede própria na rua José Nunes de Oliveira, no bairro Monte Alegre. É lá que são promovidos os eventos, bem como cursos de capoeira, teatro e dança.
Do tamanho de uma quadra de vôlei, o Tesol foi criado como espaço cultural, com palco, coxia e bastidor. A iluminação conta com oito refletores necessitando de reparos, uma mesa artesanal e com sonoplastia de um microsystem doméstico, além de outros aparelhos com caixas amplificadoras. “Espero conseguir fazer uma reforma nesse espaço. Nossos equipamentos necessitam de manutenção, mas infelizmente não temos verba para conseguir realizá-lo”, afirma Daniel Diez. O local tem capacidade para 120 pessoas. Fora este espaço interno, há uma área externa com planos de expansão.
Atualmente, o maior objetivo de Diez é conseguir regularização, benefícios da Prefeitura e apoio cultural da iniciativa privada para melhorar e expandir as instalações físicas e atividades no teatro. Apesar de tantos problemas, Daniel Diez sente-se feliz com o resultado do trabalho e até honrado por poder ajudar tantas pessoas com um sonho que ele sempre buscou: o resgate à cidadania por meio do teatro.

* Perfil realizado pelos alunos do período noturno da disciplina de Jornalismo Literário ministrada no curso de Jornalismo, campus Morumbi, no primeiro semestre de 2005:

• Caroline Mathez (caroline.mathez@gmail.com), 22, assessora de imprensa em tecnologia da informação.
• Daniella Gasparini (daniellamg@click21.com.br), 21, rádio-escuta da Bandeirantes.
• Ursula Garcia (ursulaartero@bol.com.br), 22, funcionária de recursos humanos de uma empresa nacional