A vida vista por uma lente fotográfica

Fotógrafa deficiente visual conta as origens de seu amor pela profissão e os inúmeros desafios encontrados para registrar a realidade com uma câmera*

A fotógrafa profissional Lilian Uyema, 26 anos, atua há quatro anos na assessoria de comunicação da Ceagesp (Companhia de Entrepostos e Armazéns Gerais de São Paulo). Desde sua adolescência manifestava interesse pela fotografia. “Sempre procurei saber um pouco mais sobre este universo, ainda que de forma amadora”, diz. Quando completou 14 anos ganhou sua própria câmera compacta, que serviu como um incentivo a sua carreira.
Iniciou estágio aos 18 anos em uma assessoria de imprensa, e logo procurou adquirir mais informações sobre a Nikon F3 manual com duas objetivas que estava abandonada em um armário. A profissional consertou-a e começou a clicar tudo o que lhe interessava. Hoje são inseparáveis. Esta história de amor pelas lentes fotográficas seria normal se Lílian não apresentasse grau elevado de miopia: 18 graus. A doença é um erro de refração em que a imagem focaliza antes de chegar na retina, gerando uma dificuldade de se ver a distância. Até três dioptrias, isto é, graus, a moléstia é considerada ligeira, já a moderada apresenta de três a seis graus e a alta de seis em diante. “Minha doença começou a progredir até o final da adolescência, quando se estabilizou. Achei que ia parar por aí, mas tive descolamento de retina e precisei operar para que não perdesse a visão do olho esquerdo", relata..
No início de sua carreira, acreditava que não seria uma boa fotógrafa, pois seus resultados não saíam da forma que previa. “Estive em contato com diversos profissionais da área, que disseram passar pela mesma crise no começo, ainda que tivessem a visão perfeita. Se você não persistir mesmo com todos esses tropeços, não consegue seguir em frente, pois é complicado lidar com tantos cálculos exatos e ao mesmo tempo abstratos como luz artificial combinada com luz natural, ambiente, pessoas, objetos, paisagens misturadas com flash,” desabafa.
Para seguir sua paixão profissional Lilian realizou diversos cursos na área O primeiro foi concluído no Senac, três módulos e a duração de nove meses. Após este processo fez outro, no qual obteve conhecimento necessário da revelação da imagem até a impressão no papel fotográfico. E recentemente terminou uma oficina voltada para imagens digitais.
Sua miopia agravou-se ainda mais por volta dos 22 anos. Enfatiza "tudo que faço na vida tenho que aprender a me adaptar e desenvolver um outro sentido que supra essa deficiência. Cheguei a ouvir de um médico que não acreditava que eu fizesse este tipo de trabalho. Eu respondi que minha visão é desfocada, mas a lente da máquina fotográfica não”.
Enquanto a medicina não desenvolve a cura para o descolamento de retina, muitas pessoas são submetidas a cirurgias. O oftalmologista Michel Eid Farah, especializado nesta alteração, explica que se trata de uma doença pouco conhecida e que o não tratamento acarreta a perda da visão. O oftalmologista diz que “menos de 10% dos casos são tratados antes de ter perda da total visão”.
Se não tratada, a miopia pode causar diversos problemas. O mais grave é conhecido como hipotonia, que causa a diminuição ou atrofia de pressão no globo ocular. Outra doença é a catarata ocasionada pelo embaçamento da lente óptica, que se torna opaca e dificulta a visão. Já o glaucoma apresenta a degeneração do nervo óptico, responsável pela transmissão das imagens ao cérebro, e quando danificado, a visão torna-se desfocada.
Há quatro meses, Lilian realizou uma intervenção cirúrgica às pressas para não perder a visão na clínica do profissional e teve elevação considerável em seu grau, passou para 21. Segundo o especialista, “geralmente este aumento é causado pelo implante de silicone necessário para colar a retina”.
Apesar destas dificuldades, a fotógrafa encara sua vida como uma grande aventura e leva muito a sério sua profissão. Tudo isto por amor à imagem e à vida, vista por uma lente.
A profissional garante que as pessoas têm que encarar tudo como um desafio da vida, acreditar e ser persistente, ver que o mundo não gira em torno somente de você e de seus problemas. “Há muita gente com muito mais dificuldade e sem recurso nenhum. É a vida".
Para se ter êxito na profissão, a fotógrafa ensina “É preciso captar o que está vendo à sua frente, não só fisicamente. A foto tem que passar alguma coisa, transmitir. Tem que ter sensibilidade para enxergar isto”.
A fotógrafa pretende continuar se dedicando a sua grande paixão, a fotografia, enquanto sua visão permitir. Para o ano de 2005, a profissional realizará uma exposição de fotos na Ceagesp. O tema será "Cores e Sabores", onde deixará exposto por um mês cerca de 20 imagens, com diversas frutas, flores e muitas cores.

* Perfil realizado pelos alunos Bruna Monteiro, Carolina Scicco, Caroline Cardoso, Daniela Dias, Letícia Ghedin, Marcela Ribeiro, Rodrigo Michel, do período noturno da disciplina Fontes e Reportagens Jornalísticas, no campus Morumbi, no segundo semestre de 2004.